Opinião

Centenário das relações Brasil-Polônia

As calamidades que o mundo está enfrentando hoje nos fazem apreciar ainda mais valores como paz, cooperação e solidariedade. Este ano marca o centésimo aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a Polônia, e é grande oportunidade para lembrar o quão importante na história é a cordialidade mútua entre os países, mesmo os geograficamente distantes.

No século 19, a Polônia foi privada da independência por três ocupantes, e as tentativas subsequentes de recuperá-la foram sangrentamente reprimidas. A luta pela liberdade foi recebida com simpatia universal bem demonstrada pelos imperadores do Brasil. Pedro I exclamou “Vive la Pologne!”, em 1831, durante uma peça apresentada em Paris em homenagem aos insurgentes poloneses; e o sucessor, Pedro II, se reuniu na Suíça com emigrantes patriotas.

No final do século 19, na visão da população polonesa, politicamente e economicamente oprimida, o Brasil aparecia como um país onde se poderiam realizar as aspirações de vida, razão pela qual a emigração econômica polonesa surgiu numa escala tão grande. O trabalho árduo de centenas de milhares de poloneses no desenvolvimento de terrenos do Sul do Brasil frequentemente virgens ganhou o reconhecimento da sociedade local.

Talvez, por isso, Rui Barbosa, destacado político brasileiro, advogado e escritor da virada do século 20, representando eximiamente seu país na Conferência da Paz de Haia de 1907, nos intensos discursos nos quais defendia o direito de todas as nações à soberania, pediu repetidamente o reconhecimento da independência da Polônia. Ele o fez apesar da irritação das potências europeias que haviam repartido a Polônia entre si.

Foi um fato inédito, pois, naquela altura, o Brasil não tinha nenhum interesse material em apoiar um Estado que não existia. Contudo, o Brasil tinha simpatia pelo nosso país e forte senso de justiça histórica e honra. Na Polônia, lembramos a figura de nosso amigo Rui Barbosa, e uma das renomadas escolas de ensino médio de Varsóvia leva o seu nome.

A cordialidade pela Polônia foi sentida plenamente durante a Primeira Guerra Mundial. As esperanças dos poloneses que viviam no Brasil levaram à criação de um comitê nacional, cuja atividade foi reconhecida pelas autoridades. O Brasil também respondeu favoravelmente à mensagem de paz de Bento XV em maio de 1917, na qual o papa exigiu a restauração da Polônia. Em troca de notas diplomáticas entre o então ministro das Relações Exteriores do Brasil, Nilo Peçanha, e Paul Claudel, o então legado francês no Rio de Janeiro e destacado poeta cristão, foi expressa a necessidade de restaurar a independência da Polônia como uma das condições da paz mundial.

Consequentemente, o governo brasileiro apoiou plenamente a Declaração de Versalhes, assinada por França, Grã-Bretanha e Itália em junho de 1918, na qual se comprometiam a restaurar a Polônia. Em agosto de 1918, o governo brasileiro reconheceu o Comitê Central Polonês local como representação do recém-emergente Estado e, pela primeira vez, símbolos nacionais foram erguidos, na sede no Rio de Janeiro. Assim, o Brasil se tornou o primeiro país da América do Sul que, de fato, reconheceu a nossa independência.

A leitura dos relatos dos poloneses que viviam no Brasil atesta como aqueles momentos foram solenes e quanta gentileza eles encontraram. Desde o início de 1920, um consulado polonês operava em Curitiba, mas o pleno estabelecimento das relações diplomáticas entre a Polônia e o Brasil teve que esperar um pouco mais, porque o recém-criado Estado polonês precisou enfrentar a ameaça externa e defender as fronteiras. Enfim, em 27 de maio de 1920, ocorreu um evento histórico: a entrega de cartas credenciais pelo legado, conde Ksawery Orowski?, ao então presidente do Brasil, Epitácio da Silva Pessoa.

É impossível contar aqui toda a história dos 100 anos das relações diplomáticas polono-brasileiras, porém, é preciso enfatizar que o espírito de respeito e cordialidade mútua continuam vivos. Atualmente, os dois países, ambiciosamente olhando para o futuro, querem servir para o bem-estar dos seus cidadãos e, portanto, precisam um do outro. A melhor demonstração do espírito de solidariedade durante esses dias difíceis da epidemia foi a cooperação no repatriamento dos cidadãos poloneses e brasileiros aos seus países.

*Embaixador da Polônia