As manifestações de 1º de Maio, data da celebração internacional do Dia do Trabalho, foram prejudicadas pelo coronavírus. A decretação da quarentena inviabilizou concentrações de protesto em Paris, Londres, Roma, Madri, São Paulo. Em anos passados, milhares de trabalhadores foram às ruas com o propósito de reclamar contra baixos salários, miséria e desemprego.
Ao desembarcar no Aeroporto do Galeão em janeiro, o coronavírus deparou-se com mais de 13 milhões de desempregados. A progressiva desindustrialização, agravada pela informatização e robotização, a insignificante participação no mercado internacional resultaram na maior onda de desemprego das últimas décadas.
Cessada a pandemia, a economia voltará à situação anterior, ou seja, sem perspectivas concretas de rápido crescimento. Os esforços do ministro Paulo Guedes não encontram eco no mercado, contaminado pela desconfiança gerada pelo governo. Com muito esforço, será realocada no mercado de trabalho parte dos desempregados e subocupados.
As previsões mundiais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) são sombrias. Na avaliação do diretor-geral, Gui Rider, “as medidas para revitalizar a economia devem se basear em uma forte abordagem na criação de empregos e devem ser apoiadas por políticas e instituições de emprego mais fortes, sistemas de proteção social mais abrangentes e com melhores recursos”.
O mesmo documento admite que “em todo o mundo, mais de 436 milhões de empresas enfrentam o sério risco de interrupção das atividades. Essas pertencem aos setores mais afetados da economia, incluindo 232 milhões de empresas nos comércios atacadista e varejista, 111 milhões no setor manufatureiro, 51 milhões no setor de hospedagem e serviços de alimentação e 42 milhões no setor imobiliário e outras atividades comerciais”.
O Brasil integra o pacote com a agravante de pertencer ao rol dos subdesenvolvidos. A debacle da economia mundial torna impraticável contar com amparo financeiro externo. A economia chinesa está paralisada. A Europa empobreceu. Do velho aliado, Estados Unidos, é impossível esperar por ajuda. O presidente Trump enfrenta problemas internos, planeja a reeleição e não olhará, até por não ser do seu feitio, para a América Latina.
Quem aventou a ideia de segundo Plano Marshall não sabia do que falava. As circunstâncias são outras. Em nada se assemelham ao ocorrido no término da Segunda Grande Guerra, quando a União Soviética ameaçava as democracias ocidentais com o avanço do comunismo.
A reconstrução exigirá recursos próprios. Como ponto de partida, devemos admitir que temos defeitos. Somos o país dos bacharéis. Herdamos dos portugueses o amor ao lirismo e às letras jurídicas. Criamos a palavra juridiquês. Temos o maior número de faculdades de direito do mundo. Registrou o ministro Luiz Roberto Barroso que o Brasil está judicializado. Controlada a pandemia, devemos optar entre o cultivo do conflito ou retomar o trabalho com afinco, perseverança e vigor. O amor ao litígio judicial deverá ceder lugar à busca paciente do entendimento.
Qual o papel reservado ao presidente Jair Bolsonaro no esforço nacional de reconstrução? O regime é presidencialista, mas democrático. Atitudes autoritárias, como as que têm revelado, dificultarão os entendimentos entre governo e sociedade. Compete a S. Exa. e ao ministro da Economia, Paulo Guedes, na ausência do Ministério do Trabalho, desenvolver esforços no sentido da composição dos interesses entre empregadores e empregados. A classe trabalhadora está carente de sindicatos e de lideranças credenciadas. Salvo as raras e habituais exceções, são milhares de sindicatos profissionais e patronais sem condutores representativos e legitimados.
Do presidente Jair Bolsonaro pode-se dizer aquilo que Lord Beaverbrook (1879-1964), com alguma pitada de humor, registrou sobre Winston Churchill (1874-1965): “Tem o hábito de quebrar os degraus de qualquer escada em que ponha os pés”. Ou aquilo que Churchill falou de Josef Stalin (1879-1953): “Uma charada envolvida em mistério, dentro de um enigma”.
O Brasil não dispõe de mais uma década para perder. Crescer ou desaparecer, esse é o dilema. Ou evoluímos, ou nos perdemos em meio a países supostamente ricos, mas desesperadamente pobres, como os temos na América Latina e na África.
O governo do presidente Jair Bolsonaro está próximo da segunda metade. Cabe-lhe a responsabilidade de decidir o que pretende. Afinal, sem desejar lhe fazer injustiça, até agora não nos disse a que veio.