Correio Braziliense
postado em 17/05/2020 09:30
Num momento em que o governo federal emite sinalização no mínimo ambígua sobre a política de combate à covid-19, devemos nos lembrar que a Constituição brasileira de 1988 é o ponto de partida para qualquer estratégia que vise ordenar os trabalhos da área de saúde. O marco constitucional prevê papéis e responsabilidades complementares das três esferas de governo, a federal, a estadual e a municipal. A divisão de tarefas atende em parte a critérios determinados por níveis de complexidade e pelas limitações orçamentárias.Grosso modo, cabe ao governo federal estipular as diretrizes nacionais, sempre levando em conta a complexidade inerente das políticas públicas, que devem visar o bem-estar da sociedade como um todo. Quanto aos municípios, mais próximos da vida dos cidadãos, devem priorizar aspectos práticos e focar na assistência, sobretudo às camadas socialmente menos favorecidas.
A pandemia, que ameaça o mundo e vem causando centenas de mortes por dia no Brasil, torna mais urgente e relevante a determinação constitucional. A doença pode se revelar inicialmente como mera manifestação gripal, mas, como se sabe, pode também provocar sérias complicações em pouquíssimo tempo, levando a óbito até jovens sadios e pessoas sem registro de comorbidades.
Tal cenário reforça a convicção compartilhada pelos especialistas de que precisamos de infraestrutura consistente para o exercício da medicina de cuidados intensivos, a chamada “medicina crítica”. E o ponto de partida para alcançar esse objetivo é a governança prevista na Constituição.
A separação de funções entre os níveis de governo nada tem de arbitrária. Políticas de distanciamento e isolamento social, por exemplo, devem ficar a cargo dos agentes públicos que, pela própria natureza dos cargos que ocupam, sejam eles prefeitos ou governadores, estão mais próximos do cidadão. Da mesma maneira, eles também devem se dedicar a questões como testagens e campanhas para estimular o uso de máscaras e outros itens de segurança. São iniciativas que, em geral, cabem em seus orçamentos.
Já o financiamento da medicina crítica, que exige a mobilização de recursos expressivos – para a compra dos caros e imprescindíveis ventiladores pulmonares, por exemplo –, deve ficar sob a responsabilidade do governo federal, o ente público que recolhe o grosso da carga tributária.
Há uma cristalina lógica econômica por trás da letra da lei. É o governo central que, além de dispor de orçamento maior, tem mais condições de, mediante incentivos fiscais a estados e municípios, criar as condições necessárias para o aparelhamento da medicina de cuidado intensivo.
Enquanto esse entendimento não ficar claro para todos os entes federativos, enquanto a comunicação dessa mecânica não funcionar, não interessa o nome do próximo ministro da Saúde, pois seu fracasso será inexorável. A população, que já tem que enfrentar uma pandemia, não deveria ser atacada por outro front.
*Cláudio Lottenberg é presidente do Conselho da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e do Instituto Coalizão Saúde
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