As medidas adotadas para reduzir o impacto da contaminação populacional geram desequilíbrio na maioria dos países, mormente nos que, como o Brasil, tentavam sair da grave recessão que desativara sua economia. Além disso, a quarentena, o isolamento das pessoas e a suspensão da maioria das atividades podem gerar distúrbios mentais e transtornos comportamentais que não devem ser ignorados.
A humanidade enfrenta dilema de difícil superação. Requer um nível de sabedoria internacional capaz de elaborar um modelo de sociedade construído sobre os sólidos fundamentos do humanismo globalizado. É a perspectiva do melhor progresso a ser desencadeado em resposta à virulência da pandemia que desconstruiu o horizonte do mundo atual.
As populações precisam sobreviver, é claro. Contudo, os investimentos não podem ficar restritos à sobrevivência das vítimas do vírus. Deverão estar amplamente voltados para a garantia do padrão humano de vida ao qual as pessoas têm direito. De fato, viver não é apenas sobreviver, é muito mais do que isso. É contar com a harmonia dos componentes físicos, mentais e sociais para interagir com altruísmo e desfrutar dos benefícios da convivência humana saudável, que conferem sentido à vida.
As lideranças políticas, com experiência nos respectivos países, podem ter papel fundamental para a estruturação da nova sociedade pós-pandemia. Para tanto, devem trabalhar em defesa da convergência construtiva de princípios, projetos e ações comprometidos com a promoção do verdadeiro progresso da humanidade.
À luz do que se projeta na esperança dos novos tempos, o Brasil há de mudar a rota. A pobreza da cultura política, na qual se envolveu, precisa ser revertida em favor da população. O território que o país possui é um privilégio no planeta. E o seu potencial de construção inovadora é incomparável, porém desprezado. Vivemos o momento de reconstruir nossa nação, adequando-a às relevâncias insubstituíveis para que a sociedade brasileira adquira o perfil civilizatório concebido para uma civilização globalizada.
O governo deve levar em consideração esses conceitos a fim de que adote medidas condizentes com as profundas transformações que não podem mais ser proteladas, sob pena de manter a nação no atraso em que permanece há muito tempo.
Restaurar os níveis básicos da economia é meta substancial, desde que projetada para superar o capitalismo consumista que escraviza a sociedade. Além do mais, será essencial que os investimentos já comecem a ser feitos com o intuito de promover o avanço do capital cognitivo do país, entendido como a mais absoluta prioridade entre as ações a serem adotadas.
Quanto mais valorizado o nível de qualidade mental, intelectual e espiritual do cidadão, mais próspera, justa e igualitária será a sociedade humana. Para que esse aprimoramento possa ser alcançado de maneira igualitária, o cérebro das crianças, desde a vida intrauterina, precisa dispor das condições indispensáveis à estruturação anatômica e ao desenvolvimento fisiológico adequados. A educação básica qualificada é, por isso mesmo, a etapa primordial para a construção da nova sociedade brasileira. É o alicerce que não pode ser minimizado porque, sem seu sólido suporte, a atividade educacional subsequente será de baixo desempenho.
Nesse contexto, a educação na primeira infância, vale dizer, nos seis primeiros anos de vida, requer destaque no orçamento da União para sustentar a implantação de projetos comprometidos com o aumento do capital cognitivo do país. Será um retorno de valor incomparavelmente maior do que o do capital financeiro. Se isso não for feito, a capacidade de aprendizagem, nas etapas seguintes da formação do cidadão, ficará aquém dos níveis necessários, e a sociedade não evoluirá.
O berço familiar, fonte maior dessa fase decisiva da educação, requer investimentos prioritários que os governos jamais fizeram. São providências inovadoras que devem ser asseguradas, com a mais absoluta igualdade, a todos os brasileiros das novas gerações. Só assim haverá a ressurreição do Brasil na fase pós-pandemia.
* Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, presidente do Global Pediatric Education Consortium (Gpec)