Correio Braziliense
postado em 14/05/2020 04:05
O corpo da sociedade brasileira está combalido pela pandemia da covid19, e a mente abalada pelo cenário reinante. Na verdade, a penosa situação social, que há anos corrói o organismo do país, agravou-se ainda mais pela contagiosa doença viral que se propaga pelo planeta. É o maior desafio que ocorre como consequência da era de globalização da economia, que a humanidade passou a viver.As medidas adotadas para reduzir o impacto da contaminação populacional geram desequilíbrio na maioria dos países, mormente nos que, como o Brasil, tentavam sair da grave recessão que desativara sua economia. Além disso, a quarentena, o isolamento das pessoas e a suspensão da maioria das atividades podem gerar distúrbios mentais e transtornos comportamentais que não devem ser ignorados.
A humanidade enfrenta dilema de difícil superação. Requer um nível de sabedoria internacional capaz de elaborar um modelo de sociedade construído sobre os sólidos fundamentos do humanismo globalizado. É a perspectiva do melhor progresso a ser desencadeado em resposta à virulência da pandemia que desconstruiu o horizonte do mundo atual.
As populações precisam sobreviver, é claro. Contudo, os investimentos não podem ficar restritos à sobrevivência das vítimas do vírus. Deverão estar amplamente voltados para a garantia do padrão humano de vida ao qual as pessoas têm direito. De fato, viver não é apenas sobreviver, é muito mais do que isso. É contar com a harmonia dos componentes físicos, mentais e sociais para interagir com altruísmo e desfrutar dos benefícios da convivência humana saudável, que conferem sentido à vida.
As lideranças políticas, com experiência nos respectivos países, podem ter papel fundamental para a estruturação da nova sociedade pós-pandemia. Para tanto, devem trabalhar em defesa da convergência construtiva de princípios, projetos e ações comprometidos com a promoção do verdadeiro progresso da humanidade.
À luz do que se projeta na esperança dos novos tempos, o Brasil há de mudar a rota. A pobreza da cultura política, na qual se envolveu, precisa ser revertida em favor da população. O território que o país possui é um privilégio no planeta. E o seu potencial de construção inovadora é incomparável, porém desprezado. Vivemos o momento de reconstruir nossa nação, adequando-a às relevâncias insubstituíveis para que a sociedade brasileira adquira o perfil civilizatório concebido para uma civilização globalizada.
O governo deve levar em consideração esses conceitos a fim de que adote medidas condizentes com as profundas transformações que não podem mais ser proteladas, sob pena de manter a nação no atraso em que permanece há muito tempo.
Restaurar os níveis básicos da economia é meta substancial, desde que projetada para superar o capitalismo consumista que escraviza a sociedade. Além do mais, será essencial que os investimentos já comecem a ser feitos com o intuito de promover o avanço do capital cognitivo do país, entendido como a mais absoluta prioridade entre as ações a serem adotadas.
Quanto mais valorizado o nível de qualidade mental, intelectual e espiritual do cidadão, mais próspera, justa e igualitária será a sociedade humana. Para que esse aprimoramento possa ser alcançado de maneira igualitária, o cérebro das crianças, desde a vida intrauterina, precisa dispor das condições indispensáveis à estruturação anatômica e ao desenvolvimento fisiológico adequados. A educação básica qualificada é, por isso mesmo, a etapa primordial para a construção da nova sociedade brasileira. É o alicerce que não pode ser minimizado porque, sem seu sólido suporte, a atividade educacional subsequente será de baixo desempenho.
Nesse contexto, a educação na primeira infância, vale dizer, nos seis primeiros anos de vida, requer destaque no orçamento da União para sustentar a implantação de projetos comprometidos com o aumento do capital cognitivo do país. Será um retorno de valor incomparavelmente maior do que o do capital financeiro. Se isso não for feito, a capacidade de aprendizagem, nas etapas seguintes da formação do cidadão, ficará aquém dos níveis necessários, e a sociedade não evoluirá.
O berço familiar, fonte maior dessa fase decisiva da educação, requer investimentos prioritários que os governos jamais fizeram. São providências inovadoras que devem ser asseguradas, com a mais absoluta igualdade, a todos os brasileiros das novas gerações. Só assim haverá a ressurreição do Brasil na fase pós-pandemia.
* Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, presidente do Global Pediatric Education Consortium (Gpec)
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.