Opinião

A covid-19 e a escassez de informações

''Diante da escassez de dados fornecidos pela administração pública, pesquisadores e organizações da sociedade civil têm trabalhado para lançar luz sobre as informações disponíveis (ou chamar a atenção para a ausência delas)''

Além da falta de testes para a covid-19, equipamentos de proteção individual, respiradores e leitos em UTIs, o país enfrenta outra importante dificuldade em tempos de pandemia: a insuficiência de informações. Prova disso são as recomendações feitas pelo Ministério Público Federal, pela Defensoria Pública da União e pelos Ministérios Públicos estaduais com o objetivo de dar mais transparência às ações de combate à covid-19.

Somente no mês de abril, governos do Amazonas, Maranhão, Acre, Amapá, Sergipe, Tocantins, São Paulo, Pará, gestores de diversos municípios e até a União foram cobrados a dar transparência aos gastos públicos e ações empreendidas em razão da pandemia.

Diante da escassez de dados fornecidos pela administração pública, pesquisadores e organizações da sociedade civil têm trabalhado para lançar luz sobre as informações disponíveis (ou chamar a atenção para a ausência delas). O Lagom Data monitora, desde março, os dados sobre o coronavírus no país.

A organização Open Knowledge Brasil criou o Índice de Transparência da covid-19, que avalia a qualidade dos dados e as informações relativas à pandemia publicadas pela União e pelos estados nos portais oficiais. As avaliações são feitas semanalmente e revelam, por exemplo, que, até 23 de abril, apenas quatro estados publicavam a quantidade de testes disponíveis: Espírito Santo, Paraná, Goiás e Pernambuco.

O monitoramento vem sendo feito desde o início de abril, e os estados vêm apresentando melhoras na divulgação dos dados (na primeira avaliação, constatou-se que 90% não publicavam informações suficientes; na quarta, o percentual caiu para 46%). O que essas iniciativas demonstram: é urgente melhorar a quantidade e a qualidade das informações para se ter um diagnóstico mais preciso da pandemia no país. Se não há dados, não há política pública.

Informações restritas em nome da segurança... e da saúde? Via de regra, tragédias humanas sempre representaram riscos ao direito de acesso à informação. Por exemplo, após o atentado às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, o acesso às informações produzidas ou tuteladas pelo governo norte-americano ficou mais restrito. No mês seguinte ao ataque, o então procurador-geral John Ashcroft emitiu um memorando que ampliava a possibilidade de rejeitar pedidos de acesso a informações solicitadas por meio de lei. A medida criou novo campo de pseudossegredos e foi revogada em 2009, na gestão de Barack Obama.

Exemplo mais antigo da restrição exacerbada de informações em nome da segurança nacional foi o caso dos Documentos do Pentágono. Em 1971, o episódio envolveu o vazamento de arquivos secretos do Departamento de Defesa dos Estados Unidos que traziam informações sobre o envolvimento do país na Guerra do Vietnã.

Na obra Crises da República, a filósofa Hannah Arendt utiliza esse caso para discutir a ideia de arcana imperii (os mistérios do governo). A filósofa debate até que ponto seria válido ocultar da população determinadas informações mantidas em segredo pelo Estado. No caso dos Documentos do Pentágono, ela defende que houve restrição exagerada de informações: “Ao povo e seus representantes eleitos é negado acesso àquilo que precisam saber para formar opinião e tomar decisões”.

Em março, um grupo de pesquisadores publicou um texto na revista científica The Lancet, em que solicita que o governo do Reino Unido compartilhe urgentemente as evidências científicas e dados utilizados para embasar as políticas de prevenção adotadas. “A transparência é a chave para manter o entendimento, a cooperação e a confiança da comunidade científica e da comunidade da saúde, assim como o público em geral, levando finalmente à redução da morbidade e da mortalidade”, dizem os pesquisadores.

Ao contrapor os episódios passados ao cenário atual, conclui-se que já é sabido que, em nome da segurança nacional, muitos governos optam por restringir o acesso a informações. Porém, em tempos de pandemia, em nome da saúde, o caminho adotado deve ser o oposto. Somente ao ampliar o acesso a informações públicas saberemos precisar a situação em que nos encontramos e pensar em soluções reais.
 
 
 
 * Jornalista, doutoranda no programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade de Brasília