Opinião

Esqueletos no armário

''O Estado brasileiro, como chega a ser de conhecimento geral, é lotado de esqueletos no armário que, eventualmente, ressurgem à luz até serem socados de volta''

“Esqueletos no armário” é um dito popular que indica aquelas situações embaraçosas e, muitas vezes, danosas que persistem no tempo e que, ao invés de resolvê-las, preferimos mantê-las escondidas no armário na esperança de que ninguém as descubra.  O Estado brasileiro, como chega a ser de conhecimento geral, é lotado de esqueletos no armário que, eventualmente, ressurgem à luz até serem socados de volta.

Está em tramitação no Congresso Nacional a Medida Provisória 909, que extingue o Fundo de Reservas Monetárias, criado pela Lei 5.143, de 1966, que se destinava a permitir a intervenção do Banco Central no mercado de câmbio e títulos e dar assistência às instituições financeiras. O fundo detinha, em 2018, segundo o Bacen, cerca de R$ 8,7 bilhões em ativos, sendo que desde a edição do Decreto-lei 2.471, de 1988, não vinha recebendo nenhum recurso adicional já que o Imposto de Operações Financeiras (IOF) passou a ser administrado pela Receita Federal e os respectivos recursos passaram a integrar a Conta Única do Tesouro Nacional.

O Fundo de Reservas Monetária (FRM) é um caso típico de esqueleto da União que, sem função nenhuma, permaneceu guardado no armário por 22 anos. Vinculado ao FRM, também existe um passivo judicial de décadas decorrente dos equívocos praticados pelo Estado que geraram múltiplos litígios que perduram até hoje sem nenhuma perspectiva de encerramento.

Um exemplo disso é o caso do Banco Auxiliar. No ano de 1985, em um contexto de crise do sistema bancário em decorrência da “falência” do Banco Sul-Brasileiro, o Bacen ofereceu operações de redesconto (empréstimo para liquidez), que o Auxiliar aderiu. Mesmo que o Auxiliar estivesse pagando em dia as prestações do redesconto, foi decretada a sua liquidação em novembro de 1985, sem um motivo técnico legítimo e devido a um cenário político que se opunha a sua possível compra pelo Banespa.

A liquidação era tão questionável que 18 meses depois, em maio de 1987, houve o seu levantamento, através do oferecimento de uma garantia de 150% da dívida, seguido do pagamento em 9 parcelas do montante principal, apesar de, desgraçadamente, 33 anos depois ainda não ter se findada a execução da dívida, em razão dos questionáveis métodos adotados pelo Bacen para o cálculo do montante acessório. Os cálculos adotados pelo Bacen foram tão controversos que as Certidões de Dívida Ativas foram substituídas diversas vezes, assim como há decisões judiciais a favor do Auxiliar, apontando incorreções e excessos na cobrança de juros e na aplicação e índices de correção monetária.

De 1995 a 2000, o Banco Auxiliar conseguiu judicialmente o afastamento das aplicações de índices financeiros para a correção monetária. Não obstante, após o primeiro embate judicial, o Bacen passou a inserir nas memórias de cálculo índices de correção com expurgos inflacionários, em dissonância com as previsões legais e contratuais, o que ensejou uma segunda leva de discussão judicial.

Com o passar de todas essas décadas, aquela garantia de 150% não acompanhou o acréscimo dos juros e correção monetária. Mesmo que o principal tenha sido pago à época do surgimento da dívida, ainda perdura litígio judicial sobre incorreções de cálculo do acessório.

Portanto, este é só um exemplo dentre outros (Masonave, Banco OK, RITZ, Comind) de que não faz sentido extinguir o FRM sem resolver as pendências que ele carrega.

A extinção do Fundo de Reservas Monetárias, sem o equacionamento adequado desses passivos processuais, representa apenas a perpetuação do esqueleto no armário. É embaraçoso o que foi feito pelo Estado em relação ao Banco Auxiliar. É mais uma demonstração do que os investidores já se acostumaram a chamar de custo Brasil.