No clássico Mulheres que correm com os lobos, espécie de Bíblia do feminino, a autora Clarissa Pinkola Estés descreve o arquétipo da mulher selvagem. Resumindo de forma bem amadora, a proposta é tirar a mulher da caixinha moderna, por vezes excessivamente intelectualizada e politicamente correta, e mergulhá-la de volta nos seus instintos. Um novo batismo, que fará renascer a intuição, a vidência, o coração, os sentimentos, as ideias, os sonhos... a alma, enfim. Trazer de volta à superfície aquilo que naturalmente a constitui, mas que fica bem escondido lá dentro, trancafiado nas nossas profundezas.
Lembrei disso ao pensar neste artigo para o Dia das Mães por alguns motivos. Em parte, porque não há nada mais instintivo e reparador do que a maternidade, uma força potente que descobrimos ao parir, criar, adotar, gerar, cuidar de outro ser humano. E também porque, ao pensar no que estamos vivendo, creio fortemente que devemos nos voltar para essa espécie de incubadora de sentimentos internos, de memórias de nossos antepassados e até dos períodos difíceis em que vivemos para saber que, sim, temos repertório e força para sair dessa.
Não são os números e as explicações, por mais plausíveis que sejam, que nos darão coragem para seguir nessa toada. O que vai nos manter firmes e fortes, com jornada tripla ou quádrupla, com a distância, com as mortes sentidas, com todas as dores, com as angústias trazidas pela incerteza? Essa força não virá encapsulada, nem com bula, nem vai vender na farmácia.
Nenhuma autoridade, nenhuma lei, medida ou decreto nos protegerá de nossos medos, da imbecilidade de muitos, de um vírus ainda cheio de mistérios para a ciência. Portanto, sugiro que você tome todos os cuidados para proteger sua saúde, mas também invoque suas forças profundas — porque são elas que irão lhe resgatar dia a dia.
Cá pra nós, nossos instintos já andavam por mandar avisos, não? Havia certa estranheza com os rumos da humanidade, algo esquisito no ar, uns zumbis saindo da lama e andando por aí a falar absurdos... Culpamos as redes sociais, que espalham loucuras em série. Mas elas são apenas amplificadoras do mundo em que vivemos e do que, em conjunto, tornamo-nos. Há algo de mais misterioso nesse tempo. Céticos e místicos se debruçam com mais afinco sobre isso, seja para negar, seja para provar teorias das mais diversas. Por aqui, só tento fazer a minha parte: pensar no outro e levar comigo quem são meus — família e amigos.
Eu sou mãe e avó. Penso, neste Dia das Mães, nas mães que perderam filhos e nos filhos que perderam as mães. Não há palavra que resgate órfãos recentes de sua dor. Sei que a distância é difícil para quem sempre celebrou em família. Mas a maior mãe de todas, a Mãe Terra, a mais sofrida, é a que mais nos ensina. Digo-lhe: ouça a natureza, inclusive a sua própria.
Se eu fosse você, uniria seu pensamento ao de sua mãe e ao de seus filhos, abriria a janela, andaria descalço, fecharia os olhos, ficaria em silêncio, respiraria profundamente, faria uma oração por todos e celebraria a sua saúde. Se você ainda pode fazer isso, é privilegiado. Seus pais, filhos, netos e todos à sua volta ganham se cada um de nós manter a serenidade, o equilíbrio e, quem sabe, alguma fé em dias melhores.