Opinião

Desafios pós-pandemia

A pandemia do novo coronavírus deixará mais do que um rastro de luto em todas as nações. As previsões de organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), e instituições bancárias são de que a economia mundial encolherá ao menos 3% neste ano, a segunda pior recessão depois a Grande Depressão de 1929. Entre aquele ano e 1930, a contração do Produto Interno Bruto (PIB) chegou a 10%.

Para o Brasil, a projeção é ainda mais assustadora. O PIB terá queda de 5,3%, somando R$ 6,87 trilhões, próximo ao patamar de 11 anos atrás  — R$ 6,83 trilhões. Em meio a esse tombo, infelizmente, deparamo-nos com políticas sociais tão frágeis quanto o sistema público de saúde. Ambos, subfinanciados há décadas pelos sucessivos governos, antes e depois da redemocratização do país.

Nesse quadro sombrio, o contingente de 13,5 milhões de brasileiros que vivem na extrema pobreza, com renda mensal de apenas R$ 145, receberá mais 5,4 milhões de pessoas — 900 mil vítimas a mais do que na crise econômica de 2014. A maior parte delas concentrada no Norte e no Nordeste, regiões que têm bolsões de miséria e precários recursos para suprir as necessidades da população e resgatar esses desvalidos.

A covid-19, que se alastra pelo país em ritmo frenético, deixando mais de 10 mil mortes pelo caminho, tirou da invisibilidade 70 milhões de brasileiros, que buscam o auxílio emergencial de R$ 600 pagos pelo governo federal. Essa parcela da sociedade supera em seis vezes a população de Portugal e 20 vezes a do Uruguai.

Passada a crise epidemiológica, o processo de reconstrução do país não poderá se restringir a investimentos em setores que sempre receberam atenção do governo, nem ter um foco estritamente econômico. Exigirá profunda revisão das políticas públicas sociais para que sejam, concretamente, inclusivas. A visão financista e concentradora de renda não poderá continuar prevalecendo.

Diante da realidade exposta pela crise sanitária, não dá para o poder público negligenciar mais de um terço da população. A essa parcela de brasileiros faltam educação, saúde, saneamento básico, água potável, emprego e vida digna. Como bem lembrou o economista André Lara Resende, o período pós-pandemia “será a oportunidade de transformar o Estado cartorial em favor da população”. É o que se impõe e se espera do atual e dos futuros governos.