Há o receio, e bastante compreensível, de que o novo cenário amplie ainda mais a desigualdade. Mas fiquei particularmente impressionado com os esforços das secretarias de Educação de todo o país buscando estratégias para que os alunos da rede pública não ficassem sem aulas, mediante atividades não presenciais, que foram agora regulamentadas pelo Conselho Nacional de Educação.
O coronavírus mexeu com o mundo, com a nossa vida e, naturalmente, com a educação. Isso foi muito bem retratado em recente entrevista concedida por Jeff Maggioncalda, diretor-executivo da Coursera, ao Yahoo Finance’s On the Move. A Coursera é uma importante plataforma de ensino na qual dezenas e dezenas de universidades prestigiosas de todo o mundo oferecem cursos de atualização e aprimoramento profissional. Em março, quando a pandemia começou a se alastrar, a empresa concedeu acesso gratuito ao seu catálogo de cursos a todas as universidades afetadas. E, de lá para cá, como afirmou Jeff Maggioncalda, a Coursera recebeu 17 mil consultas de faculdades de todo o mundo e ajudou a ativar o currículo on-line para mais de 2 mil universidades.
Pesquisa da empresa de tecnologia educacional Bay View Analytics revelou que 70% dos professores dos Estados Unidos nunca haviam ministrado aulas virtuais antes da pandemia. Em muitas universidades, foram iniciados treinamentos para os professores darem aulas on-line. O modelo da caixa única de ensino presencial foi fortemente afetado.
Todavia, os sinais de que seria preciso mudar o modelo educacional já se manifestavam havia algum tempo. Por exemplo, no fim do século 20, a Escola do Futuro da USP fez uma pesquisa com seus estudantes, e o que eles responderam dialoga com o novo cenário: 62% deles gostariam que as aulas fossem oferecidas a distância, usando novas ferramentas de tecnologia de informação; 55% gostariam de montar os próprios cursos; e 41% acreditavam que as salas de aula não mais seriam em um lugar físico específico.
Hoje, fico aqui imaginando: quantas palestras fiz sobre como seria a sala de aula do século 21? E, de repente, descobrimos que ela não existe. Existirão muitas salas de aula em diferentes ambientes e diversas possibilidades de aprendizagem. O modelo único de ensino morreu. Demoramos muito a entender isso. Foi preciso a chegada de um coronavírus para que tivéssemos a coragem de experimentar a mudança. Costumo dizer que o coronavírus funcionou como catalisador, a substância que acelera a velocidade das reações químicas.
Naturalmente, um dia as coisas voltarão a ser mais próximas ou não (só o tempo dirá) do que eram antes do coronavírus, mas não serão mais as mesmas. Fazendo nova analogia com a química, quando um sistema em equilíbrio é perturbado por algum fator externo, como mudança de temperatura ou de pressão, ele se desloca para encontrar novo equilíbrio. O tempo necessário para encontrá-lo depende da natureza do sistema. Como o sistema Terra se comportará pós-covid-19 só o tempo dirá.
Concluo estas reflexões com dois trechos da linda música de Lulu Santos e Nelson Motta, Como uma onda: “Nada do que foi será / de novo do jeito que já foi um dia / Tudo passa, tudo sempre passará /.../ Tudo que se vê não é / igual ao que a gente viu há um segundo / Tudo muda o tempo todo no mundo...”
* Titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP-Ribeirão Preto e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE)