Onde foi que a tolerância, o respeito e o bom senso se perderam? Em que momento exato o ódio se apossou da racionalidade e turvou o discernimento? Por quais motivos muitos de nós deixamos que o fanatismo ideológico e político se alinhavassem, trazendo consigo a arrogância e a prepotência, ou não mais do que um desejo torto de sermos superiores? Onde foi que decidimos criar falsos mitos ou profetas e colocar em xeque os anseios democráticos de uma nação cuja democracia é por demais jovem e ainda imatura? Somos produto do meio em que vivemos. Se semearmos o rancor e o autoritarismo, perderemos muito de nossa essência enquanto humanos.
As cenas da semana passada na Praça dos Três Poderes, o centro decisório do Brasil, explicitam os tempos em que vivemos. Na última sexta-feira, a agressão gratuita a enfermeiras que exerciam um direito talhado na Constituição, o da liberdade de pensamento e de manifestação, também foi um soco no estômago da sociedade. Talvez os agressores, que macularam a bandeira nacional, não imaginassem que, futuramente, pode ser que precisem do amparo de enfermeiras. Talvez até necessitem de ajuda para trocar as fraldas ou para se alimentar. O tempo é professor. E, muitas vezes, a disciplina vem pela dor.
Dida Sampaio e Orlando Brito, dois dos mais experientes e premiados repórteres fotográficos do país, cobriam a manifestação de simpatizantes do presidente Jair Bolsonaro quando foram ameaçados e espancados por militantes. Absolutamente nada justifica um ato tresloucado, uma agressão não apenas a dois jornalistas, mas também à liberdade de imprensa. Não podemos permitir que a informação apurada e séria seja vilipendiada e arremessada nos estertores do autoritarismo. Orlando e Dida foram alvos de pessoas que, em algum momento, se tornaram vítimas de fake news. Talvez não reconheçam o valor real do jornalismo como alicerce da democracia e como instrumento de freio e contrapeso do Estado de direito.
Desprezamos nossa memória e nossa cultura, às custas de governantes que cortejam repressores da ditadura e, ainda que indiretamente, semeiam nos seguidores a intolerância a quem pensa diferente. No Brasil, quem não aplaude os arroubos do presidente é tachado de comunista. Vivemos em um país onde enfermeiros são ofendidos e cuspidos; jornalistas, agredidos; repressores, recebidos em pleno Palácio do Planalto. Um país incapaz de divulgar uma nota de pesar e reverenciar filhos ilustres, como Moraes Moreira, Aldir Blanc, Rubem Fonseca e Flavio Migliaccio. Uma nação que adota slogan religioso mas defende armas. Onde foi que nos perdemos?