Mais uma vez a história se repete. No Brasil, sempre que a corda estica, estoura invariavelmente no colo do trabalhador. Instaurada a pandemia, a primeira solução que o governo federal apresentou: suspensão dos contratos de trabalho, flexibilização da legislação trabalhista e corte de salários.
As grandes fortunas, o patrimônio amealhado pelo capital ao longo de décadas, séculos talvez, esse permanece incólume. Muito diferente foi a postura do governo argentino, do presidente Daniel Fernandez, que, em sua primeira ação, assegurou a estabilidade de empregos e salários. E condicionou a ajuda aos empresários à ausência de demissões.
No Brasil, não faltam ainda aqueles que defendem a retomada do trabalho, a flexibilização da quarentena, a exposição do trabalhador e das famílias ao risco de contágio e à propagação da Covid-19. Afinal, para quem vive do capital, aqueles que vivem do trabalho são, mesmo, apenas uma estatística.
E ainda se dão ao desplante de falar em medidas compensatórias. Compensatórias de quê? Na verdade, um remendo para atenuar o grande sofrimento de quem está condenado a se recolher em modestas moradas, com a despensa vazia e a cabeça cheia de incertezas e inseguranças.
Curiosamente, esta epidemia veio e grassou primeiro nas classes mais abastadas. Veio nas sacolas do freeshop de quem andou pela Europa e pela Ásia e pode contar com a rede hospitalar privada. Mas, agora, atinge os empregos e, com isso, toda a classe trabalhadora, que depende do SUS.
Em Santos, onde o porto se constitui a principal, senão única atividade geradora de empregos em massa, o ataque aos trabalhadores antecedeu a pandemia, que só vai piorar a situação já dramática.
Insensíveis aos problemas históricos de segurança na manipulação de cargas perigosas, de saúde pública com a ampliação desmedida de embarque e desembarque de grãos e fertilizantes, isso para não falar em problemas ambientais, proliferação de animais peçonhentos, entre outros descalabros, as autoridades portuárias federais conceberam um monstro, o novo PDZ — Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Santos, que não só potencializa essa situação como agrava e impacta diretamente a vida das cidades no Entorno.
Para a atender interesses da concessionária ferroviária, da indústria da celulose e sabe-se lá de mais o que ou quem, a autoridade portuária pretende sacrificar, na proposta, milhares de empregos e condenar famílias à penúria da sobrevivência.
E, para impor seu desejo, sua política, ainda se vale de subterfúgios, como se negar a cumprir acordos firmados anteriormente com a autoridade judiciária, ou ainda fazer simulacros na tentativa de evitar audiências públicas com representantes dos moradores do entorno do porto ou com câmaras municipais, prefeituras e a população em geral.
É o enredo de sempre, histórico e perverso. Para favorecer o capital e os empresários, aumentar os lucros, que se danem os trabalhadores, suas famílias, seus idosos e assim por diante. Não vai faltar combustível para os iates e para os carrões nas garagens.
As cidades da Baixada Santista e as comunidades organizadas estão mobilizadas para defender os empregos e a segurança sanitária da população. Tentam resistir ao trator desumano com que o governo federal pretende massacrar os direitos da população, em nome da modernização da exploração do capital.
Enquanto isso, o porto de Santos continua funcionando. Estivadores e funcionários burocráticos se revezam para manter a chegada de mercadorias essenciais para o país combater a pandemia. Estamos fazendo a nossa parte, mas a solução para a grave crise do país não pode, mais uma vez, cair nas costas dos menos favorecidos.
* Vereador em Santos e presidente do Sindicato dos Empregados Terrestres em Transportes Aquaviários e Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Settaport)