Correio Braziliense
postado em 04/05/2020 04:13
Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho era, em 1968, capitão do Para-Sar, grupo paraquedista da Força Aérea Brasileira. Recebeu do brigadeiro João Paulo Moreira Burnier a seguinte ordem: colocar uma bomba no complexo da então Companhia Estadual de Gás (CEG), da antiga Guanabara, de modo que pudesse atribuir sua explosão aos grupos comunistas. O chamado Gasômetro ficava num ponto estratégico do Rio de Janeiro: entrada da avenida Rodrigues Alves, na frente da nova rodoviária e do cais do porto.
Tal ato, mais que mandar milhões de pedaços de ferro pelos ares, como uma granada, teria uma segunda e tenebrosa consequência: como a maior parte do abastecimento das casas dos cariocas era por gasoduto, o impacto varreria a rede e chegaria a um sem-número de imóveis. O que viria daí é imprevisível.
Fosse outro capitão, afeito a bombas e atentados, teria aceitado a tarefa. Sérgio Macaco, como era apelidado, não. Prevendo os resultados terríveis do atentado, se recusou. Caiu em desgraça e só foi redimido em 1992, quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu-lhe os direitos e determinou que fosse passado a brigadeiro — ato ignorado pelo então comandante da Aeronáutica Lélio Lobo. Macaco morreu dois anos depois.
Ao contrário do mote, tirado do filme Tropa de Elite I, que diz que “missão dada é missão cumprida”, e passou a frequentar bocas imprudentes, missão dada nem sempre é missão cumprida. Alexandre Ramagem poderia, perfeitamente, não ter aceitado sua imposição como diretor-geral da Polícia Federal pelo clã Bolsonaro. Mas, em nome da amizade e por pressão presidencial, aceitou.
Claro que negar uma ordem do supremo magistrado da nação é comprar uma briga monumental, que, talvez, lhe custasse a carreira. Ainda que sua indicação tenha sido bem recebida pelos colegas de corporação, e que atuar para emperrar investigações que interessam a pai e filhos chamaria a atenção — algo que igualmente poderia abalar a trajetória profissional —, a questão moral que permeava o episódio é, de longe, a mais elevada. Portanto, devia ser considerada antes de mais nada.
O constrangimento em torno do nome de Ramagem veio desde o primeiro minuto, quando passou a ser considerado o candidato com mais chances de comandar a PF. E atingiu o ápice com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de suspender sua nomeação. Maculada a decência, conexões pessoais nada valem ante o primado da lei.
De volta à Abin depois do recuo presidencial, Ramagem diminuiu de tamanho como agente de Estado. Será apontado como o homem cujo nome se prestou ao desgaste promovido por um presidente que não aceita os ritos do poder. Será permanentemente visto com desconfiança por quem hoje o defende e também por quem o critica, conforme a função que ocupar e o resultado que apresentar.
Sérgio Macaco não deixou sucessores.
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