As incertezas em torno do novo coronavírus e as medidas adotadas para sua contenção têm provocado impactos severos na economia, e o setor elétrico não é exceção. Desde março, se verifica forte queda no consumo de energia no país e é esperado aumento expressivo na inadimplência dos consumidores desse serviço essencial nas próximas semanas.
Esses dois fatores, em conjunto, diminuirão drasticamente a receita das concessionárias de distribuição. Os custos, por seu lado, são na maior parte inflexíveis. Elas continuarão obrigadas a honrar contratos de compra de energia, ao pagamento de encargos setoriais e a operar e manter as redes de distribuição.
Logo, mantida a tendência, a pressão financeira sobre as empresas pode culminar na piora significativa do serviço prestado ou até em apagões e blecautes. Além disso, como as distribuidoras são a principal porta de entrada de recursos financeiros no setor elétrico, seu equilíbrio econômico-financeiro é fundamental para a sustentação de toda a cadeia.
De outra parte, deve-se reconhecer a incapacidade de alguns consumidores de pagar as contas durante o período de pandemia. Assim, são necessárias soluções de compromisso capazes de proteger, ao mesmo tempo, empresas e consumidores. Nas últimas semanas, o governo federal tem adotado medidas nesse sentido. Em 23 de março, a Aneel proibiu as distribuidoras de suspender o fornecimento de energia por inadimplência. Cerca de duas semanas depois, foram publicadas as medidas provisórias n° 949/2020 e 950/2020.
Do lado dos consumidores, elas garantem o desconto tarifário integral até 30/6/20, para todos os enquadrados na Tarifa Social de Energia Elétrica, até o limite de 220kWh; e autorizam o aporte do Tesouro Nacional para cobertura da isenção. Quanto às distribuidoras, as MPs permitem que o encargo setorial (CDE) seja utilizado para amortizar operações financeiras, viabilizando futuras operações de crédito para assegurar o equilíbrio do setor.
Ao mesmo tempo, no parlamento federal, verifica-se uma enxurrada de projetos de lei propondo intervenções no setor para enfrentamento da Covid-19. Desde 10 de março, ao menos 40 projetos sobre o tema foram apresentados somente na Câmara dos Deputados. Além disso, foram apresentadas 180 emendas ao texto da MP 950.
Muitos dos projetos e emendas trazem inovações que precisam ser analisadas com cautela, uma vez que visam à criação de novos subsídios a grupos de consumidores. Há desde a isenção total de cobrança para consumidores residenciais e microempresas até a suspensão de cobrança para pequenas propriedades rurais, templos e associações sem fins lucrativos. Outras, ainda, vedam reajustes tarifários, em desrespeito aos contratos de concessão.
A aprovação desse tipo de projeto ou de emenda irremediavelmente resultaria em explosão tarifária ou na deterioração das contas públicas, senão ambos. Não existe almoço grátis. A criação indiscriminada de descontos nas tarifas ou a adoção de medidas heterodoxas, como o congelamento de preços, causará distorções econômicas difíceis de serem revertidas, contrárias às medidas estruturantes que vinham avançando no próprio Congresso.
Não podemos esquecer que os efeitos das decisões de agora se prolongarão para muito além da crise. É preciso evitar a tentação populista. Em 2012, o governo federal optou pela quebra de contratos e pela redução forçada do preço da energia, quando editou a MP 579. A sociedade ainda paga caro por esse voluntarismo, com altas tarifas e baixa confiança dos investidores. Ao contrário, a preferência deve ser dada para ações horizontais, como a transferência direta de renda aos mais vulneráveis.
Caso se decida por descontos tarifários, é imprescindível que a conta seja paga por toda a sociedade, por meio de aporte do Tesouro Nacional, não apenas pelos demais consumidores ou pelos agentes do setor. Também os empréstimos às distribuidoras, se indispensáveis, não podem servir de incentivo para a ineficiência, nem de espaço para troca de favores. Só assim será possível evitar a criação de uma bomba-relógio tarifária e de novos desequilíbrios setoriais. É preciso ter a coragem para dizer não ao populismo tarifário.
*Advogado e economista
* Engenheiro eletricista
* Engenheiro eletricista