Opinião

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''Meu pai, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, dono de centenas de jornais, tevês e rádios por este Brasil afora, dizia não fazer profecias porque anunciava fatos à vista. Era duro e foi muito corajoso em construir um jornal e uma televisão para ser inaugurada no mesmo dia de Brasília''

Correio Braziliense
postado em 23/04/2020 04:05

Brasília, 21 de abril de 2020.
Querida irmã Brasília,

Nascemos juntos duas vezes. Primeiro, há mais de 200 anos. Você, pelas mãos de José Bonifácio de Andrada e Silva, na primeira tentativa de Constituição do Império, em 1823. Eu um pouco antes, em 1808, pelas mãos de Hipólito José da Costa no Armazém Literário — Correio Braziliense, em Londres. Sim, nasci na Inglaterra devido à Censura Régia no Brasil.

Como um grande rio que nasce e renasce em cada afluente, você, Brasília, nasceu em todas as constituições subsequentes. A Constituição de 1891, primeira da República, mandou reservar para a União, no Planalto Central, uma área de 14.400km², que seria oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a nova capital federal. E se repetiu na Constituição de 1934, no artigo quarto das Disposições Transitórias, que deixou claro: “Será transferida a Capital da União para um ponto central do Brasil”. 

O mesmo sonho registrou a Constituição de 1946, quando Juscelino Kubitschek era também constituinte. A Carta Magna do pós-guerra, que espelhou a derrocada dos regimes totalitários na Europa e o retorno, ainda que tênue, dos valores liberais ao mundo, motivou a transferência da capital, apesar da resistência de parte da imprensa e de lideranças políticas e empresariais. O artigo quarto das Disposições Transitórias voltou a sacramentar: “A Capital da União será transferida para o Planalto Central do país”.

E eu, minha irmã, renascia a cada uma das 175 edições de o Armazém Literário — Correio Braziliense, que circulou de 1808 a 1822, e chegava a ter de 80 a 140 páginas cada volume. Pensando bem, querida irmã, posso dizer que somos gêmeos bivitelinos formados em duas placentas. Se fomos formados a partir de dois óvulos, graças a Deus nascemos num mesmo dia: 21 de abril de 1960.

Nossos pais foram vários. Mães que nos protegeram e embalaram também foram muitas. Por isso, tivemos força para resistir e chegar aos 60 anos. Você sabe, querida Brasília, não foi fácil. Nunca é fácil. Torceram contra, fizeram discursos contra, colocaram pedra em nosso caminho, passamos fome e frio. Mas vencemos. Foi muita luta e muita determinação.

Se do meu lado eu tinha a força nordestina e a tenacidade de um visionário forjado em terras paraibanas, você tinha uma áurea de determinação e a magnanimidade da alma mineira que vencia pela elegância política e altivez patriótica por colocar sempre o Brasil em primeiro lugar.

Meu pai, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, dono de centenas de jornais, tevês e rádios por este Brasil afora, dizia não fazer profecias porque anunciava fatos à vista. Era duro e foi muito corajoso em construir um jornal e uma televisão para ser inaugurada no mesmo dia de Brasília. 

Para ele, o pessimismo é uma psicose coletiva. E dizia mais: “Tendo inventado que Deus é brasileiro, entramos a descansar por conta desse parentesco”. Mas Chateaubriand não descansou. Deus ajuda quem cedo madruga. E ele madrugou no canteiro de obras para eu nascer na alvorada do mesmo dia que você, Brasília, nasceu.

E o que dizer de JK, que tirou um sonho de 200 anos e plantou a nova capital do Brasil no Planalto Central? Penso como o jornalista Elio Gaspari: “Todos os presidentes do Brasil querem ser JK quando crescerem. Um dia, algum talvez consiga, desde que aprenda uma coisa simples: Juscelino Kubitschek cumpriu todas as suas promessas de campanha e jamais disse uma má palavra dos brasileiros ou do Brasil. Foi um visionário que acreditou nos dois”.

Pois é, Brasília, nascemos juntos. Você é a única capital do mundo que nasceu com um grande jornal. E eu, olha que privilégio, único jornal que nasceu com uma grande cidade-capital. Sou seu querido diário desde quando você tinha um dia. E você é minha matéria-prima de informações, de desejos, de lágrimas e sorrisos durante todo este tempo. E lá se vão 60 anos.

O que eu achava que seria apenas um eterno amor de infância hoje é um dia a dia de construções, de cobranças, de reivindicações, de querelas, de engenho e arte. Como bons irmãos, nos desentendemos, às vezes, mas não aceitamos intrigas um com o outro. Estamos juntos para o que der e vier.

Minha querida irmã, vou estar sempre ao seu lado. Fazemos aniversário juntos, comemoramos juntos nossos natais e carnavais. Quero ser seu irmão gêmeo que vai abraçar e dar colo sempre que você precisar. Sou mais do que seu diário de cabeceira. Sou seu ombro. Conte comigo. Agora e sempre. Que os próximos 60 anos sejam de renovação, de resgates, de amizade, de paz e de muita fraternidade.

Amo você, minha irmã.
Correio Chateaubriand Braziliense


* Jornalista e ex-secretário de Estado da Cultura de Brasília 

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