Opinião

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''Meu pai, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, dono de centenas de jornais, tevês e rádios por este Brasil afora, dizia não fazer profecias porque anunciava fatos à vista. Era duro e foi muito corajoso em construir um jornal e uma televisão para ser inaugurada no mesmo dia de Brasília''


Brasília, 21 de abril de 2020.
Querida irmã Brasília,

Nascemos juntos duas vezes. Primeiro, há mais de 200 anos. Você, pelas mãos de José Bonifácio de Andrada e Silva, na primeira tentativa de Constituição do Império, em 1823. Eu um pouco antes, em 1808, pelas mãos de Hipólito José da Costa no Armazém Literário — Correio Braziliense, em Londres. Sim, nasci na Inglaterra devido à Censura Régia no Brasil.

Como um grande rio que nasce e renasce em cada afluente, você, Brasília, nasceu em todas as constituições subsequentes. A Constituição de 1891, primeira da República, mandou reservar para a União, no Planalto Central, uma área de 14.400km², que seria oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a nova capital federal. E se repetiu na Constituição de 1934, no artigo quarto das Disposições Transitórias, que deixou claro: “Será transferida a Capital da União para um ponto central do Brasil”. 

O mesmo sonho registrou a Constituição de 1946, quando Juscelino Kubitschek era também constituinte. A Carta Magna do pós-guerra, que espelhou a derrocada dos regimes totalitários na Europa e o retorno, ainda que tênue, dos valores liberais ao mundo, motivou a transferência da capital, apesar da resistência de parte da imprensa e de lideranças políticas e empresariais. O artigo quarto das Disposições Transitórias voltou a sacramentar: “A Capital da União será transferida para o Planalto Central do país”.

E eu, minha irmã, renascia a cada uma das 175 edições de o Armazém Literário — Correio Braziliense, que circulou de 1808 a 1822, e chegava a ter de 80 a 140 páginas cada volume. Pensando bem, querida irmã, posso dizer que somos gêmeos bivitelinos formados em duas placentas. Se fomos formados a partir de dois óvulos, graças a Deus nascemos num mesmo dia: 21 de abril de 1960.

Nossos pais foram vários. Mães que nos protegeram e embalaram também foram muitas. Por isso, tivemos força para resistir e chegar aos 60 anos. Você sabe, querida Brasília, não foi fácil. Nunca é fácil. Torceram contra, fizeram discursos contra, colocaram pedra em nosso caminho, passamos fome e frio. Mas vencemos. Foi muita luta e muita determinação.

Se do meu lado eu tinha a força nordestina e a tenacidade de um visionário forjado em terras paraibanas, você tinha uma áurea de determinação e a magnanimidade da alma mineira que vencia pela elegância política e altivez patriótica por colocar sempre o Brasil em primeiro lugar.

Meu pai, Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, dono de centenas de jornais, tevês e rádios por este Brasil afora, dizia não fazer profecias porque anunciava fatos à vista. Era duro e foi muito corajoso em construir um jornal e uma televisão para ser inaugurada no mesmo dia de Brasília. 

Para ele, o pessimismo é uma psicose coletiva. E dizia mais: “Tendo inventado que Deus é brasileiro, entramos a descansar por conta desse parentesco”. Mas Chateaubriand não descansou. Deus ajuda quem cedo madruga. E ele madrugou no canteiro de obras para eu nascer na alvorada do mesmo dia que você, Brasília, nasceu.

E o que dizer de JK, que tirou um sonho de 200 anos e plantou a nova capital do Brasil no Planalto Central? Penso como o jornalista Elio Gaspari: “Todos os presidentes do Brasil querem ser JK quando crescerem. Um dia, algum talvez consiga, desde que aprenda uma coisa simples: Juscelino Kubitschek cumpriu todas as suas promessas de campanha e jamais disse uma má palavra dos brasileiros ou do Brasil. Foi um visionário que acreditou nos dois”.

Pois é, Brasília, nascemos juntos. Você é a única capital do mundo que nasceu com um grande jornal. E eu, olha que privilégio, único jornal que nasceu com uma grande cidade-capital. Sou seu querido diário desde quando você tinha um dia. E você é minha matéria-prima de informações, de desejos, de lágrimas e sorrisos durante todo este tempo. E lá se vão 60 anos.

O que eu achava que seria apenas um eterno amor de infância hoje é um dia a dia de construções, de cobranças, de reivindicações, de querelas, de engenho e arte. Como bons irmãos, nos desentendemos, às vezes, mas não aceitamos intrigas um com o outro. Estamos juntos para o que der e vier.

Minha querida irmã, vou estar sempre ao seu lado. Fazemos aniversário juntos, comemoramos juntos nossos natais e carnavais. Quero ser seu irmão gêmeo que vai abraçar e dar colo sempre que você precisar. Sou mais do que seu diário de cabeceira. Sou seu ombro. Conte comigo. Agora e sempre. Que os próximos 60 anos sejam de renovação, de resgates, de amizade, de paz e de muita fraternidade.

Amo você, minha irmã.
Correio Chateaubriand Braziliense


* Jornalista e ex-secretário de Estado da Cultura de Brasília