O presidente não é coveiro. Foi eleito pelo voto de dezenas de milhões de brasileiros para erigir confiança em uma nação sedenta de autoestima. Sua vitória nas urnas foi reflexo de polarização política, mas também da esperança de dias melhores. Não cabe ao presidente pensar que o dilema economia versus saúde seja algo banal e simples de ser resolvido. Nem declarar que 70% dos brasileiros contrairão o novo coronavírus, nem sugerir que aqueles que ficam em suas casas são acovardados. Não cabe a um presidente ignorar a tragédia que assola o planeta, nem entrar em confronto com os demais poderes da República. Cada número de vítimas da Covid-19 representa muito mais do que estatísticas. Em vários lares de 181 países ou territórios, há pelo menos uma cadeira vazia à mesa de jantar, existe uma família devassada pela saudade.
O presidente não é coveiro. Nem foi eleito para tanto. Foi escolhido para ter o posicionamento de líder, para trazer tranquilidade e segurança a uma nação que não esconde o medo de um inimigo invisível.
Especialistas afirmam que o Brasil ainda não chegou ao topo da curva pandêmica. Desmantelar a quarentena, neste momento, pode ser o caminho para o desastre. Em alguns hospitais do Rio de Janeiro, médicos já precisam escolher quem terá uma vaga na Unidade de Terapia Intensiva. Em Manaus, corpos e doentes dividem as mesmas alas de hospitais. No cemitério Tarumã, na capital amazonense, carros de funerárias fazem fila à espera de sepultamento em meio à sobrecarga. São 100 óbitos por dia. Um retrato dantesco, mas, também, cruelmente verdadeiro e apenas parcial do cenário prestes a se desenrolar.
Mortes também ocorrem como consequência de más escolhas políticas. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump demorou demais para processar as advertências de estudiosos e de funcionários do governo norte-americano no quartel general da Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra. No momento em que escrevo esse artigo, a maior potência do planeta contabiliza mais de 804 mil casos de infecção pelo novo coronavírus e 43 mil mortes. O Brasil, por sua vez, registra mais de 40 mil casos e 2.588 mortes. É como se quase oito aviões modelo Airbus A330, lotados, caíssem sem deixar sobreviventes.