O Brasil enfrenta uma crise epidemiológica sem precedentes na história. Pelo menos 189 países passam pelo mesmo momento. A cada dia, cresce o número de brasileiros infectados e mortos pelo novo coronavírus. Na manhã de sexta-feira, o Ministério da Saúde havia registrado 33.682 infectados e quase 2.150 mortes pela Covid-19. Nesse momento dramático da sociedade brasileira, as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário estão fraturadas.
O presidente da República, Jair Bolsonaro, entende que o isolamento social — orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e das autoridades médicas — não pode se estender a todos os setores produtivos. Teme que o desemprego seja efeito colateral tão ou mais nocivo para a nação quanto o novo coronavírus. Defende o retorno dos trabalhadores ao emprego. Para ele, o distanciamento social deve ser relaxado para que não haja prejuízos à economia.
Além do discurso, Bolsonaro tomou atitudes ostensivas contra o isolamento social. Na inauguração de um hospital no município de Águas Lindas (GO), ele saiu da cerimônia e foi ao encontro dos eleitores aglomerados em frente à unidade, menos de 24 horas depois de o então ministro insistir no distanciamento social, em entrevista coletiva à imprensa, como opção mais acertada para evitar a propagação do vírus. Esse foi mais um, entre outros, estímulos que o presidente deu à desobediência ao que recomendava a equipe da Saúde. Na quinta-feira, Mandetta, que não se afastou da orientação científica, foi substituído pelo oncologista Nelson Teich.
A mudança levou os presidentes da Câmara e do Senado a divulgaram nota conjunta, em que elogiaram o “irreparável” trabalho do ex-titular e afirmaram esperar que o novo ministro dê continuidade, “agindo de forma vigorosa, de acordo com as melhores técnicas científicas”. E acrescentaram: “A vida e a saúde dos brasileiros devem ser sempre nossa maior prioridade”.
As relações pouco amistosas com o Congresso pioraram com a aprovação pelos deputados de um pacote de ajuda aos estados e municípios no valor de R$ 89 bilhões para compensar as perdas com ICMS e ISS em razão da epidemia. A equipe econômica propõe que o socorro seja de, no máximo, R$ 77,4 bilhões e negocia as alterações com o Senado.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, chancelou os atos de prefeitos e governadores de manter rigoroso isolamento social e adoção de medidas que forem necessárias para resguardar a saúde da população, exceto fechar as rodovias. Decisão que desagradou ao presidente, que pretendia editar medida provisória fixando quais segmentos poderiam voltar à normalidade.
Governadores e prefeitos estão lidando diretamente com a crise causada pelo coronavírus e insistem em manter o distanciamento social, como recomendam os especialistas, o que também contraria o presidente. Sentem de perto a pressão sobre as unidades médico-hospitalares, com o aumento de vítimas do vírus e de outras moléstias, e a redução dos meios para atender aos doentes.
Saúde e economia tornaram-se temas antagônicos, quando deveriam ser complementares. Uma não sobrevive sem a outra. Tanto o combate ao coronavírus quanto o soerguimento das finanças do país não se farão por meio do embate entre pontos de vista discordantes, menos ainda com o confronto entre os poderes da República. Hoje, o Brasil precisa de concertação, centrada no bom senso, que tenha como objetivo o bem-estar coletivo.