O Brasil ocupa a 26ª posição no ranking mundial da taxa de encarceramento por 100 mil habitantes. Atualmente, possui mais de 700 mil pessoas presas, das quais 248 mil não têm condenação. O deficit do sistema prisional é de mais 300 mil vagas.
Diante da crise instituída pela pandemia do novo coronavírus, o Conselho Nacional de Justiça emitiu recomendação para que o sistema de justiça garanta a liberação de presos em unidades superlotadas, de gestantes, lactantes e mães de crianças de até 12 anos, de pessoas em grupos de risco, além da antecipação da progressão de regime, bem como a prisão domiciliar para presos em regime aberto e semiaberto.
As recomendações visam assegurar que o Estado cumpra seu dever de prevenir e tratar da saúde de pessoas privadas de liberdade em um contexto em que especialistas da saúde anunciam o perigo acentuado de contágio do coronavírus em prisões superlotadas e insalubres, nas quais há concentração de grupos de risco que podem desenvolver os sintomas agravados da Covid-19.
Em 6 de abril, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) estima que tenham sido postos em liberdade ou em prisão domiciliar cerca de 25 mil presos. O que corresponderia, se os dados forem realmente estes, a menos de 10% do número de deficit de vagas. Isso significa que as unidades prisionais seguem apresentando cenário muito desfavorável para os cuidados de saúde dos presos e dos próprios trabalhadores do sistema.
O Distrito Federal possui quase 17 mil presos, dos quais 3.390 não têm condenação, e um deficit de, ao menos, 5.400 vagas. O complexo prisional do DF tem o terceiro maior percentual de superlotação carcerária no país. Nas três unidades masculinas, os presos estão distribuídos por celas que abrigam, em média, cada uma, 25 (Presídio do Distrito Federal I), 35 (Presídio do Distrito Federal II) e 349 pessoas (Centro de Progressão Penitenciária).
Nesse cenário, uma força tarefa da Vara de Execução Penal e da Defensoria Pública tem a perspectiva de liberação, caso a caso, de 500 presos, por meio da antecipação da progressão de regime, o que não envolve os casos de liberação de grupos de risco. Essa medida é insuficiente para minimizar os riscos de contágio no complexo prisional com alto deficit de vagas.
O juízo da Vara de Execução Penal tem adotado a estratégia de assegurar uma ideia de “normalidade” e cuidados suficientes e adequados em um complexo prisional com deficit de mais de 5 mil vagas. Desde 19 de março, o juízo tem alegado, em diversos documentos, que as medidas necessárias vêm sendo tomadas para evitar ou retardar o contágio no sistema prisional.
Com a suspensão das visitas dos familiares desde o dia 13 de março e, mais recentemente, dos atendimentos presenciais de advogados, as unidades superlotadas tornam-se bombas biológicas de exposição à morte, que não contam com o necessário controle social de averiguação das condições reais do sistema prisional. A isso se agrega o fato de que o juízo tenha instituído um grupo de monitoramento emergencial da Covid-19 sem que nenhuma das associações de familiares de presos esteja em sua composição, descumprindo assim o art. 14 da Recomendação do Conselho Nacional de Justiça.
Em relação aos pedidos individualizados de prisão domiciliar para pessoas em grupos de risco, a Vara de Execução Penal tem acatado relatórios médicos que afirmam que as pessoas estão recebendo tratamento adequado dentro do sistema prisional e, assim, as mantém presas em unidades específicas, a despeito das recomendações do Conselho Nacional de Justiça.
A estratégia política da manutenção do confinamento de uma população prisional com índices de comorbidades elevadas em locais insalubres e superpopulosos contraria os pareceres de especialistas em saúde. Os professores Gustavo Romero e Jaime Santana, da Universidade de Brasília, emitiram nota técnica, em 27 de março, assinalando a incapacidade do complexo prisional, nas atuais condições, de prevenir o contágio do vírus entre a população prisional e trabalhadores do sistema do Distrito Federal.
O comprometimento democrático e a política do cuidado — e não da guerra —, em tempos da pandemia, exigem rapidez para salvar vidas. O Juízo de Execução Penal precisa seguir, com urgência, as recomendações previstas pelo Conselho Nacional de Justiça e promover a liberação de presos a fim de reverter a superlotação prisional, como uma das condições necessárias para a criação de uma real prevenção de contágio.
Até 9 de abril, os testes de 12 policiais penais e de um preso foram positivos para o coronavírus, outros 20 servidores estão afastados por suspeita de contaminação. Levando-se em conta a alta probabilidade de subnotificação de contaminação no sistema prisional, o contágio já está em franca multiplicação, confirmando o cenário para o qual os especialistas já vinham alertando.
É responsabilidade das agências estatais garantir a vida de pessoas sob sua custódia, em vez de aumentar o risco de exposição à morte. O colapso do sistema prisional do Distrito Federal não é apenas uma tragédia anunciada, mas uma tragédia sobre a qual devem responder os agentes públicos que relutam em tomar as medidas necessárias.
* Professora da Faculdade de Direito da UnB Copordenadora do Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação