Dados divulgados pelo Ministério da Saúde comprovam o que se suspeitava. Os números apresentados na sexta-feira demonstram que, no Brasil, a Covid-19 expõe corte racial. Negros morrem mais que brancos: pretos e pardos são um em cada quatro hospitalizados por infecção de coronavírus (23,1%), mas um em cada três mortos (32,8%).
Não se pode afirmar que o vírus seja racista. Ele contamina brancos, pretos, pardos, amarelos sem discriminação. Tampouco tem preferência por classe social. Ricos ou pobres, autoridades ou anônimos são vítimas potenciais. Esta semana dois governadores, Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, e Helder Barbalho, do Pará, entraram na lista dos infectados.
Ora, se o coronavírus é democrático, as cifras trazidas a público acendem a luz vermelha. Os primeiros atingidos foram pessoas privilegiadas, que viajaram para o exterior ou com elas tiveram contato. São brasileiros que moram bem, alimentam-se adequadamente, têm acesso a saneamento básico e podem seguir as orientações de manter o afastamento social e observar a higiene das mãos.
Situação diferente se registra nas periferias. Marca registrada do país desigual, que empurra para bairros distantes os mais vulneráveis, o Brasil concentra nas comunidades os pobres, majoritariamente negros. Ali se conjuga o verbo faltar. Faltam políticas públicas, falta saneamento básico, faltam moradias dignas, falta coleta de lixo, falta educação, falta saúde, falta segurança, falta espaço.
Com péssimas condições de vida, os moradores historicamente ignorados pelos governantes são pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) que somam comorbidades. Entre elas, diabetes, tuberculose, hipertensão e doenças renais crônicas — agravantes para o desenvolvimento de quadros mais gravosos da Covid-19.
A pandemia escancara a enorme dívida social que desafia o desenvolvimento do Brasil. Calcanhar de aquiles da nação, o crescente abismo que separa pobres e ricos perpetua a miséria e o atraso. Sem políticas públicas capazes de aproximar as duas pontas, o país manterá o paradigma que se sustenta desde as capitanias hereditárias. A propósito, Roberto Campos repetia com fina ironia: “Subdesenvolvimento não se improvisa. Cultiva-se”.