Ninguém deveria se espantar com as grosserias e mentiras do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais. O que ele faz é a regra nesse ambiente, em que a defesa de uma opinião é sempre a desqualificação de outra. Faz tempo que ele é porta-voz do radicalismo bisonho, que, no Brasil, tem certo “ecumenismo” político. Direita e esquerda se igualam no desrespeito.
Não tenho notícia de que em outro lugar do planeta esse braço do mundo virtual tenha descido tanto. O ataque à honra é apoiado e estimulado. É aplaudido. Guerrear com a sensatez tornou-se o esporte dos biltres.
A mentira empoderou-se porque, agora, é anônima e se esconde atrás de um clique. Aquilo que antes poderia render uma pesada ação judicial, hoje se emaranha num labirinto de perfis falsos, IPs de fantasia, “bots” e servidores estacionados fora do Brasil. Um card recebido pelo zapzap se expande como uma bactéria, que dissemina a desinformação e a ofensa. Ainda que seja possível rastrear e chegar aos culpados, é um trabalho que consome tempo e recursos.
E de que forma a sociedade brasileira chegou a esse estado de agressividade, que somente suscita o debate sobre a civilidade nas relações quando envolve figuras públicas? Por quê não conseguimos mais respeitar opiniões diferentes, ainda que discordemos delas integralmente? Qual a razão de crermos que o único convencimento é por meio do porrete? Tenho uma suspeita.
Formamos um país em permanente estado de negação. Negamos a colonização portuguesa, negamos nossos troncos culturais, negamos a escravidão, negamos a roubalheira, negamos a tortura, negamos os direitos, negamos os legados da direita e da esquerda, negamos a homofobia… Negamos! Mas negar não é somente acreditar que uma parte da sociedade não pode ser contemplada com o que a outra tem, pois que supostamente indigna de ter direitos. Negar é mais do que isso. Negar é invalidar, negar é não reconhecer, negar é desprezar, negar é desfazer.
Quando se nega, se pretende escrever uma história do zero, que, em tese, é virtuosa. É como dar partida em algo que não existe, mas que, na verdade, sempre existiu. Bolsonaro nega a tortura, nega a democracia, nega a ditadura, nega a civilidade, nega a política, nega o parlamento, nega a pandemia da Covid-9, nega uma relação altiva com os Estados Unidos. Nega até o bom trabalho de alguns dos seus ministros.
A indisposição para o diálogo é a negação. Nego ao outro o direito de ter uma opinião diferente da minha; por extensão, nego ao outro a possibilidade de expressá-la; que, por conseguinte, é negar também a civilidade no tratamento; que, adiante, é negar o exercício de uma corrente de pensamento; e, no fim de tudo, é negar sua existência. O “penso, logo existo” de Descartes foi abolido e não nos avisaram. Nos negaram.
Desconfio que enquanto a negação entranhar a alma nacional, estaremos em permanente estado de revolução contra a evolução. Não a revolução pelo conceito de uma mudança abrupta e profunda, mas pela premissa da física – o do movimento circular em torno de um eixo fixo, pelo qual o corpo passa sempre pelo ponto de partida.