postado em 10/04/2020 06:00
A economia tem um convívio muito difícil com as profissões do campo da saúde. Muitas das razões têm origem nas formas diversas com que cada uma delas considera a assistência à saúde. Tradicionalmente, as profissões de saúde concentram-se na ética individualista, segundo a qual a saúde não tem preço e uma vida salva justifica qualquer esforço. Por seu lado, a economia fixa-se na ética do bem comum ou ética do social. Essas diferenças definem o pensamento e atitudes de cada grupo em relação à utilização de recursos e gestão do sistema de saúde.
A formação médica não é robusta de conhecimento econômico, o que é um equívoco, pois tende a incongruências como concentrar gastos de forma individual sem mensurar a repercussão no coletivo. A formação econômica, de forma simplista, concentra-se na análise de meios de produção e bens de consumo ou serviços com mais foco em indicadores de desempenho do que, por exemplo, bem-estar.
Visões assim distintas abrem espaço para divergências entre profissionais da saúde e da economia. Em períodos de normalidade, o conflito é administrado de forma a assegurar algum equilíbrio. Mas, em momentos críticos, ele expõe as diferenças que geram polarização.
O surto de coronavírus pode manifestar essa situação contrapondo o lado médico e o econômico. A taxa de letalidade da Covid-19 é relativamente baixa frente a outras doenças respiratórias conhecidas, mas o problema está na transmissibilidade, que é alta. Como os casos mais graves demandam terapia intensiva, a ocorrência de um nível elevado de contágio causa um pico de demanda de leitos de UTI que pode levar a utilização simultânea das unidades de terapia intensiva por uma massa enorme de pessoas, numa consequente insuficiência da capacidade de atendimento para os casos mais complexos.
Por recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), estabeleceu-se um consenso entre autoridades médicas sobre a importância do isolamento social como forma de achatar e prolongar a curva de contágio para evitar a saturação dos leitos de terapia intensiva e o colapso do sistema, já que ninguém no mundo estava preparado para uma epidemia dessa proporção.
Restringir a circulação de pessoas e impor o distanciamento social, ainda que suscite questionamentos sobre seus efeitos sobre a economia, é medida fundamental de proteção à vida. É a forma de conter a propagação do vírus, reduzir a exposição das pessoas ao contágio, principalmente os grupos mais vulneráveis, controlar a velocidade da contaminação e evitar atingir um pico que o sistema de saúde não possa suportar.
Numa pandemia, muitos morrem pelo contágio ou pelos efeitos econômicos negativos que decorrem da situação. O surto do coronavírus é uma tragédia humana que matou mais de 40 mil pessoas no mundo em menos de 4
meses, e seu impacto na economia, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), já é maior do que a crise financeira de 2008.
Em um cenário como esse, quanto maior o diálogo e entendimento entre os que têm diferente visões, melhor para a sociedade. Proteger a saúde e assegurar a subsistência das pessoas são mediadas igualmente importantes e devem ser implementadas simultaneamente. Combater a disseminação do vírus, construir estruturas hospitalares emergenciais, aumentar a produção ou importar respiradores e insumos são indispensáveis tanto quanto a transferência de renda para famílias mais vulneráveis e ajuda financeira para o setor empresarial, principalmente os pequenos empreendedores de setores mais penalizados.
Diante da situação que o mundo vive com a Covid-19, recessão não é escolha, mas uma das consequências. Quanto mais grave o surto epidêmico, maior a recessão econômica e os danos para as famílias mais vulneráveis. Esse é o grande desafio pelo qual passam todos os países e que exige equilíbrio para a perfeita dosagem entre as medidas de proteção à saúde e proteção social. Mas, além de preservação da vida e da sustentabilidade do sistema, é preciso que haja um entendimento da importância de ter um plano de recuperação para que tudo seja restabelecido gradualmente, com muita atenção e cuidado. O quadro pandêmico abala estruturas, gera traumas econômicos, sociais e individuais que precisam ser considerados desde já para que se tenham condições de minimizar seus efeitos na vida de cada pessoa e da sociedade a fim de retomarmos nossa caminhada.
*Médico, é presidente do Insituto Coalizão Saúde
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