Consultando dicionários, verifica-se o significado de incompetência: ausência de conhecimentos suficientes; inabilidade. Já crueldade é assim definida: perversidade; qualidade ou condição da pessoa cruel, de quem age com maldade. Indivíduos e coletivos que apresentem uma dessas duas características podem provocar danos graves ou irreparáveis para a vida em sociedade.
Estamos vivendo a maior crise sanitária do planeta de nossa época. Todos os dias recebemos notícias com números assustadores de pessoas contaminadas e mortas. Desde o começo do ano, segundo os dados dos governos nacionais, foi atingido um patamar antes impensável: aproximadamente 1 milhão de infectados e 47,5 mil mortes. No Brasil, após 38 dias do primeiro caso, temos cerca de 7 mil infectados e quase 250 óbitos.
A ignorância científica sobre o vírus trouxe muita confusão no início quanto às ações a serem adotadas. Isolamento social, evitando a transmissão, ou mitigação para gerar anticorpos na população? Hoje é consenso mundial que o isolamento é a medida mais eficaz para evitar o colapso nos sistemas de saúde de cada país.
O fato de a Covid-19 só ter se manifestado por aqui no final de fevereiro possibilitou-nos aprender com a experiência europeia, notadamente a dramática situação italiana, bem como com os ótimos resultados obtidos na Coreia do Sul. Com base nisso, governadores e o Ministério da Saúde adotaram a política de isolamento social, que tem ajudado muito a achatar a curva de contaminação, ainda que seja alto o nível de subnotificação por ausência de testes. No entanto, a pandemia traz consigo outra consequência igualmente grave: a crise econômica. E nessa área o governo federal tem falado bastante, mas agido muito pouco. Vamos aos fatos.
Somente em 17 de março o governo enviou a solicitação ao Congresso Nacional para decretação do estado de calamidade pública, que o parlamento, de forma ágil, aprovou em 3 dias. Na mesma semana, o ministro da Economia anunciou a intenção de editar uma medida provisória destinando o valor de R$ 200 mensais para ajudar autônomos durante três meses. Como não foi editada a MP, a Câmara de Deputados tomou para si a iniciativa, colocando em votação em 26 de março projeto de lei aumentando o valor para R$ 500 e, após negociações com o governo, fixou em R$ 600.
O Senado, no dia 30, segunda-feira, ratificou a decisão, gerando a expectativa de que, devido à urgência, fosse sancionado de imediato pelo presidente, mas ainda não foi feito! Outro exemplo de incompreensão sobre o que fazer neste momento é o plano de financiamento para pagamento das folhas salariais de pequenas e médias empresas anunciado com pompa no dia 27 de março. Ora, as empresas desse segmento empresarial, assim como as microempresas, já estão atoladas em dívidas e a grande proposta governamental é que se endividem mais?
Em artigos anteriores e nas redes sociais, sempre defendi as reformas estruturais propostas pelo governo como premissa para a construção de novo ciclo de desenvolvimento. Porém, diante de uma crise com essas dimensões, é imprescindível mudar radicalmente a forma de atuação, deixando de raciocinar com a mesma lógica utilizada em condições normais. O governo já está atrasado. Deveria, com absoluta premência, fazer como a maioria dos países que têm destinado emergencialmente pelo menos 10% dos respectivos PIBs para injetar dinheiro novo direto na economia.
Por aqui, em um movimento vergonhosamente tímido, até agora foram reservados cerca de R$ 200 bilhões, menos de 3% do nosso PIB. E a toda hora surge uma desculpa para o atraso na efetivação do que já foi anunciado ou mesmo aprovado. O discurso de proteção aos mais atingidos pela crise econômica precisa vir acompanhado de mais medidas concretas e urgentes, o que não tem ocorrido.
Qual a razão para tal comportamento? Voltando ao título do artigo, pode ser incompetência, já que o governo tem declarado que ainda não sabe como fazer para que os destinatários recebam os R$ 600 aprovados. Pode ser também a crueldade decorrente de um apego dogmático à tese de que, afinal, empresas abrem e fecham, algo a ser encarado com naturalidade. Ouso afirmar que, salvo prova em contrário, trata-se da combinação de ambas as características, podendo determinar mais mortes que a própria contaminação pelo vírus. Espero estar errado e torço muito para que o governo fale menos e faça mais, concretizando ações à altura do que a crise econômica exige para reduzir o custo social.