Acabo de consultá-lo. Desejava reler as disposições relativas ao decreto-lei, instituto jurídico fartamente utilizado durante a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), ignorado na Constituição de 1946, para voltar à vida durante o regime militar e permanecer em vigor até a promulgação da atual Lei Fundamental (5/10/1988).
A medida provisória (MP) é parente sanguíneo do decreto-lei, mas de pior qualidade. Prescrevia o artigo 55 da Emenda nº 1/69: “O presidente da República, em caso de urgência ou de interesse público relevante, desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-leis sobre as seguintes matérias: I – segurança nacional; II – finanças públicas, inclusive normas tributárias; e III – criação de cargos públicos e fixação de vencimentos”.
O parágrafo 1º ordenava a imediata vigência do decreto-lei, o qual seria de pronto submetido ao Congresso Nacional, “que o aprovará não podendo emendá-lo”. Dentro do prazo delimitado, se não houvesse deliberação, considerar-se-ia definitivamente aprovado. Por último, o parágrafo 2º dizia, de maneira objetiva, que a rejeição do decreto-lei “não implicará a nulidade dos atos praticados durante a sua vigência”.
Para editar a MP basta ao presidente da República alegar motivo relevante e urgente. Tivemos, recentemente, medida provisória sobre gorjeta. O decreto-lei se circunscrevia a situações de urgência e de interesse público, desde que não trouxesse aumento de despesa, e se houvesse perigo à segurança nacional; para administração das finanças públicas, ou quando inadiável a necessidade da criação de cargos públicos, com a fixação dos respectivos vencimentos.
A regra era inteligente e servia de obstáculo à abusiva utilização de medidas provisórias por presidentes da República, prática que, na vigência da atual Constituição, a reforma do artigo 60 não conseguiu impedir. Desde 1990, todos os presidentes eleitos aparentemente travaram competição para alcançar o primeiro lugar como vocação autoritária.
Como medida de caráter excepcional, o projeto de decreto-lei não comportava emendas de deputados e senadores. Aqui se encontra outro ponto de superioridade sobre a medida provisória. Ainda recentemente determinada MP, também voltada às relações de trabalho, recebeu cerca de 2 mil emendas, quase todas revestidas do desejo de aparecer diante do eleitorado.
É cedo para o exame da Medida Provisória nº 927. À primeira vista, sofre como tantas outras do defeito da prolixidade. Os objetivos estão explícitos nos artigos 1º e 2º. Destina-se à “preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19)”. A MP reconhece que empregadores e empregados se encontram diante de situação de força maior, “nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho”.
Não há tempo e espaço para análise de artigo por artigo. Creio, todavia, que devemos dar crédito de confiança à providência adotada pelo presidente Jair Bolsonaro. Medidas enérgicas vinham sendo exigidas por patrões e empregados. Ao tomar conhecimento de um dos defeitos – outros certamente serão apontados – S. Exa. se apressou em corrigi-lo. Afinal, não foi dele a redação da MP. Não é ele especialista. Talvez pouco saiba de legislação trabalhista, matéria controvertida e plena de obscuridade. Ao revogar de imediato o artigo 18, que autorizava o empregador a determinar a suspensão do contrato por quatro meses, o presidente acaba de dar rara demonstração de humildade.
A dramática situação em que se encontra o país nos cobra conduta que se caracterize pela isenção, maturidade, capacidade de compreender e de tolerar inevitáveis falhas. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e seus auxiliares imediatos, são exemplos de dedicação e de seriedade. A economia está em profunda crise. Empresas e estabelecimentos são fechados. Nas atuais circunstâncias, é impossível manter a totalidade dos empregados. Vamos nos juntar ao esforço do combate ao coronavírus, pois é ele o inimigo que devemos derrotar.
* Advogado, foi ministro do Trabalho e presidiu o Tribunal Superior do Trbalho (TST)