Ontem completou um mês desde a confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil e, desde então, temos assistido às autoridades públicas seguirem rumos diametralmente divergentes na tentativa de conter a transmissão da doença e os danos da pandemia à economia brasileira. Em um ponto, porém, todos parecem convergir: é preciso proteger as empresas e tirar do bolso dos trabalhadores o dinheiro para socorrê-las. Enquanto isso, oficialmente, pelo menos 77 brasileiros já perderam a vida e cerca de 3 mil casos da doença foram confirmados. No mundo, a cifra já ultrapassou a casa de meio milhão de infectados em 199 países, com mais de 20 mil mortes.
Solução? Europa e EUA discutem no momento quantos trilhões os governos deverão investir para proteger seus trabalhadores e, claro, as organizações que os empregam – naturalmente, um não existe sem o outro. Só nos EUA o Senado aprovou US$ 2 trilhões, valor equivalente a R$10,14 trilhões – um pacote sem precedentes na história do país. Desse total, pelo menos US$ 500 bilhões serão destinados a pagamentos diretos de até US$ 3 mil para milhões de famílias e US$ 250 bilhões para auxílio-desemprego.
No Brasil, enquanto o presidente da República propõe R$ 200 a trabalhadores informais e estuda a maneira menos sórdida para permitir que salários de quem tem carteira assinada sejam suspensos ou dramaticamente reduzidos, o presidente da Câmara lidera um movimento para cortar em até 25% os vencimentos de servidores públicos. Segundo Maia – que nesta semana estimou em R$ 400 bi o montante necessário para enfrentar a crise –, caso a redução alcance os Três Poderes, pouparia R$ 3,6 bilhões. Utilizar os recursos dos fundos Partidário e Eleitoral proporcionaria economia semelhante. Mas ainda assim é pouco. Taxar super-ricos e grandes fortunas, medida que traria retorno de R$ 272 bi, não parece mais adequada e eficiente? Por que não começam por aí? Como confiscar o salário dos trabalhadores pode ser a primeira opção?
O governo torna impossível a qualquer cidadão, do serviço público ou da iniciativa privada, não se indignar e repudiar o completo desrespeito das autoridades públicas que dirigem o país com seus contribuintes. Quem paga menos impostos é mais protegido, em detrimento de quem é mais vulnerável. As famílias estão endividadas e, no momento de maior fragilidade, encarceradas em casa como alternativa de proteção à vida, são penalizadas pelo Estado enquanto assistem a seus impostos – e agora os próprios salários – serem destinados ao socorro não de pessoas, mas de CNPJs.
Se em apenas um mês de crise é imperativo se apropriar dos salários de trabalhadores – e se essa é a única solução encontrada pelas autoridades públicas brasileiras, atestado de abissal incompetência – é preciso que antes nos apresentem o plano. Qual é a estratégia, afinal? De quanto é o montante de recursos necessários? Onde estão os cálculos? Que ações serão empenhadas? Como isso, objetivamente, ajudará a economia? Quem o governo ouviu para tomar essa decisão? Que outras medidas serão tomadas? Quais são os riscos envolvidos? Por que tirar dinheiro de quem consome para salvar quem produz certamente será um suicídio econômico.
Esse debate precisa ser claro e transparente, com ampla participação de todos os setores envolvidos. Os trabalhadores precisam ter um lugar à mesa de negociação. Milhões de famílias serão impactadas. Do “Brasil acima de todos” restou muito pouco. Migramos rapidamente para o cada um por si e o Estado contra quase todos nós.
*Petrus Elesbão é presidente do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis)