Em algumas atividades, o grau de perfeição exigido é tão elevado que o desempenho é avaliado mais pelas falhas do que pelos acertos. Em vez de prestar atenção na beleza do salto triplo carpado do ginasta, concentra-se na aterrissagem desequilibrada. É assim também no fornecimento de energia elétrica: apesar das melhorias estruturais da qualidade obtida, toda a discussão acaba centrada nos episódios de falhas conjunturais.
Não é fácil assegurar o fornecimento contínuo de energia. O sistema elétrico está sempre exposto a perturbações decorrentes de condições meteorológicas, queimadas, quedas de árvores, falhas humanas e falha de equipamentos. No ano passado, a Rede Básica de Transmissão sofreu 3.267 perturbações, mas apenas 207 dos eventos (6,3%) afetaram o suprimento, o que comprova a robustez do sistema.
O histórico demonstra que a qualidade está melhorando: cinco anos atrás, apenas o subsistema Sudeste/Centro-Oeste tinha um índice de robustez acima de 90%. Hoje, os quatro subsistemas superam esse índice. Maciços investimentos serão necessários nos próximos anos para preservar a qualidade, seja para repor ativos (já que mais da metade das instalações e equipamentos em operação superaram a vida útil esperada), seja para preparar a rede para lidar com maior variação de fluxos oriundos de fontes de geração variável, como eólica e solar.
Mas não basta qualidade na transmissão. É na distribuição que a rede ganha capilaridade e fica mais exposta às perturbações. Logo, o desempenho da distribuidora é o que mais impacta a qualidade.
Os índices de continuidade do fornecimento demonstram avanços substanciais na distribuição. Entre 2015 e 2018, a duração das interrupções no país caiu de 37,4 para 23,1 horas por ano — melhora de 38%, com avanços em todas as regiões. Por exemplo, a Coelba (Bahia) apresentou avanço de 41,6% no período; a Energisa Tocantins, de 38,3%; a CEB (Brasília), de 44,9%; a Enel Rio, de 49,5%; e a CPFL Santa Cruz, de 41,6%. Mesmo a Celg-D (Goiás), que tem sido muito criticada por políticos locais, melhorou 38,5% no período.
Os avanços decorrem de meticuloso planejamento, criterioso investimento e boa gestão. Mas, por trás de tudo isso, há uma força indutora: a regulação. Afinal, os incentivos proporcionados pela regulação influenciam fortemente as decisões dos agentes e, nisso, a Aneel, agência reguladora do setor elétrico, tem desempenhado papel central.
O aumento da qualidade obtida nos últimos anos foi impulsionada por três aprimoramentos regulatórios: (i) a incorporação da qualidade no processo de revisão tarifária por meio do “Componente Q do Fator X”, pelo qual se recompensa o No break; (ii) a previsão de pagamento de compensações aos consumidores que sofrem os maiores desvios dos índices de descontinuidade em relação às metas regulatórias; e (iii) a introdução de termo aditivo aos contratos de concessão impondo requisitos de qualidade mínima.
A regulação é instrumento poderoso para obter os objetivos desejados, mas também pode provocar desastres se não forem bem concebidos. A Aneel está consciente do risco e por isso adota: (i) Consultas Públicas para acolher as contribuições da sociedade; e (ii) Análises de Impacto Regulatório, nas quais se avaliam os efeitos esperados da regulamentação.
Bom exemplo é a Consulta Pública 38/2019, que busca calibrar os instrumentos regulatórios para torná-los mais eficazes na promoção da qualidade. As medidas propostas visam a: (i) intensificar o Componente Q do Fator X para promover o aprimoramento dos indicadores coletivos de continuidade; (ii) direcionar as compensações para uma parcela menor de consumidores, buscando melhorar a qualidade dos consumidores com piores níveis de serviço; (iii) facilitar o acompanhamento pela adoção de mecanismos mais simples; e (iv) proporcionar incentivos mais claros e previsíveis por meio de compensações mais aderentes aos custos gerenciáveis das distribuidoras.
Os meios propostos para atender aos quesitos da consulta pública são bons. O próximo desafio será aprimorar a metodologia de definição das metas regulatórias para levar em conta o custo-benefício da perspectiva dos consumidores. Afinal, deseja-se atender aos anseios do consumidor, não ao preciosismo tecnocrático.