Opinião

Artigo: Vara curta

O presidente Jair Bolsonaro está cutucando seu destino com vara curta. Sua presença nas manifestações de domingo desafiou algumas sérias recomendações. A primeira delas é médica, porque ele está, ou estava, em isolamento e não deveria deixar sua reclusão nem se misturar ao povo. Ele, na posição de presidente da República, deveria ser o exemplo para o país. Ao contrário, desrespeitou a recomendação de seu ministro da Saúde, Luiz Henriqueta Mandetta, da Organização Mundial de Saúde, além de não seguir determinações do Governo do Distrito Federal. Ignorou também os riscos da política nacional. As manifestações foram convocadas para protestar contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. Foi um passo adiante no cenário de confronto com os outros poderes.

Em 13 de abril de 1964, o então presidente Joao Goulart, o Jango, fez algo semelhante. Discursou para a multidão no famoso comício em frente ao prédio da Central do Brasil, no centro do Rio de Janeiro, quando exigiu reforma agrária na lei ou na marra e anunciou estudos para a realização da reforma urbana. Tremenda pressão contra o Congresso Nacional. O resultado é conhecido. Duas semanas depois, Jango caiu e procurou exílio nos países vizinhos. Só retornou ao país para ser enterrado.

Bolsonaro está bordejando a crise. Ele se cercou de militares de alta patente, da ativa e da reserva, o que lhe garante, na teoria, boa defesa contra eventuais aventureiros. Jango dizia que seu dispositivo militar era invencível. Não resistiu 24 horas. O Congresso, quando colocado contra a parede, tende a reagir com vontade e determinação. Vários presidentes da República perceberam que, sem boa interlocução com o Congresso, o governo experimenta sérias dificuldades.

O ministro Paulo Guedes percebeu nesta crise a oportunidade. Anunciou medidas emergenciais para atender empresas aéreas, outras ligadas à indústria do turismo e antecipou o 13º dos aposentados. E tratou de buscar verbas destinadas a suportar o tamanho do rombo financeiro, consequência da crise. Tentou reabrir canais de comunicação com o Congresso Nacional. Mas as manifestações incentivadas pelo presidente da República devem tornar tudo mais difícil. Senão impossível.

São crises superpostas. A primeira delas é a do coronavírus que, além de ameaçar vidas, coloca empresas aéreas e as ligadas ao setor de turismo em condição perigosa. A segunda é a devastação que a doença provocou na China e teve severas repercussões em toda a economia nacional. Bolsa desabou e dólar disparou. E uma disputa entre Arábia Saudita e Rússia pelo preço do petróleo culminou numa inédita queda de valor do produto básico da indústria ocidental. Tudo isso misturado e ao mesmo tempo encontrou campo fértil para esgarçar ainda mais o conflito entre o presidente Bolsonaro e as lideranças do Congresso Nacional. As manifestações de domingo radicalizaram ainda mais o diálogo.

A disputa entre Arábia Saudita e Rússia teve por consequência derrubar o preço do barril de petróleo no patamar de US$ 35, com objetivo de atacar os produtores de óleo de xisto norte-americanos. O problema é deles, as consequências são nacionais. O Brasil, que hoje produz cerca 3,1 milhões de barris/dia, exporta petróleo. A queda de preço dificulta a vida de estados e municípios que se ajustaram dentro da receita abundante de royalties. E a União também recebe gorda fatia dos rendimentos da atividade óleo e gás. Em contrapartida, o preço interno do combustível deve cair.

É desajuste forte. Deverá provocar reclamações de prefeitos e governadores. E, na outra ponta, de caminhoneiros se o preço do diesel aumentar. Tudo isso ocorre ao mesmo tempo junto com as crises existenciais do presidente da República, a posição autoritária de seus filhos, a dificuldade de relacionamento com os políticos e os números frustrantes da economia nacional. Paulo Guedes não entregou o que prometeu. O crescimento do produto interno bruto de 2019 foi pífio. Menor que os obtidos no governo Temer.

A operação da política no Brasil tem ocorrido entre baixarias e discussões provincianas, sem mínimo respeito à ética. O presidente Bolsonaro escolheu seu adversário, responsável por não cumprir suas metas, nem conseguir fazer o país retomar o crescimento econômico. Esse filme é conhecido. Encontrar inimigo externo para justificar os desastres internos. Aqui do lado, na Venezuela, Chaves descreveu o mesmo percurso. Não é preciso ter bola de cristal para perceber que o presidente Bolsonaro escolheu o modelo de governo para chamar de seu.