Como andam as políticas públicas voltadas para jovens negros e negras? Qual é o potencial de incorporação das propostas das Conferências Nacionais de Promoção da Igualdade Racial (Conapir) nas legislações brasileiras voltadas para esta parcela da população? Recentemente, realizei uma pesquisa que revelou parte destas questões pela análise das quatro edições da Conapir, realizadas entre 2005 e 2018, sobre a inserção das propostas voltadas para a juventude que abordassem a garantia de direitos e o combate ao racismo, à violência e ao homicídio de jovens negros.
Fiz o recorte geracional da juventude diante da alta taxa de homicídios nesta faixa etária no Brasil. O Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) confirmam esses índices por meio da divulgação do Atlas da Violência, de 2018. O estudo revela que a desigualdade das mortes violentas por raça/cor vem se acentuando tanto nos últimos 10 anos que é como se jovens negros e não negros vivessem em países completamente distintos.
Segundo a pesquisa, a taxa de homicídios na população negra aumentou 23,1% entre 2006 e 2016 enquanto que entre os não negros diminuiu 6,8%. Em 2016, essa taxa na população negra era de 40,2% e para os não negros de 16%. Os negros, especialmente os jovens, são o perfil mais frequente das vítimas de homicídio. Esses dados mostram um problema social grave e a urgência de políticas públicas voltadas para a inclusão social e contra e letalidade de cerca de 30 milhões de brasileiros, pretos e pardos, entre 15 e 29 anos, de acordo com o levantamento da Secretaria Nacional da Juventude (SNJ), em 2013.
Por sua vez, o Movimento Negro brasileiro vem lutando para mudar esse quadro, reivindicando políticas públicas de combate ao racismo, de promoção da igualdade e de oportunidades para a população negra. Alguns resultados concretos são conhecidos como a criação da Fundação Cultural Palmares e da Lei Caó, que transformou o crime de racismo em inafiançável e imprescritível, em 1989, a implementação de cotas em universidades públicas, após a Conferência de Durban contra o Racismo, da ONU, realizada em 2001, e a instituição da Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas.
No entanto, para a sociedade brasileira alcançar, de fato, a igualdade racial, algumas ações e políticas públicas ainda precisam ser implementadas. Nessa perspectiva, analisei 2.015 propostas elaboradas nas quatro edições da Conapir realizadas em 2005, 2009, 2013 e 2018. Selecionei 46 propostas que constavam nos relatórios finais das conferências com temas direcionados para a juventude negra. Em seguida, buscou-se identificar os decretos presidenciais e as legislações federais que faziam referência às propostas selecionadas, por meio das análises quantitativa e qualitativa.
Por fim, encontramos 11 projetos de leis, leis e decretos que incluíam, em parte ou totalmente, algumas das propostas das conferências nacionais. Contudo, várias propostas não tiveram suas diretrizes contempladas nas legislações formuladas entre 2005 e 2018.
Dessas 11 legislações encontradas — e que incorporaram total ou parcialmente algumas das propostas das conferências — oito vieram do Poder Executivo e três, do Legislativo. Dois projetos de leis (PLs) ainda tramitam no Congresso: o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens (PL n° 9.796/2018), pendente de aprovação na Câmara dos Deputados; e a proposta que acaba com o chamado “auto de resistência” (PL n° 4.471/2012), que cria regras para a abordagem da polícia. Essas legislações poderiam, de fato, reduzir os índices alarmantes de violência contra os jovens negros no Brasil.
Desta forma, o resultado da pesquisa revelou um baixo potencial de incorporação das propostas voltadas para a juventude negra tanto no Executivo quanto no Legislativo. Por que essa lentidão do Congresso? O que impede ou embaraça a elaboração de políticas voltadas para esta parcela da população? O racismo institucional está impedindo que essas legislações avancem?
A última edição do Atlas da Violência aponta para uma “continuidade do processo de aprofundamento da desigualdade racial nos indicadores de violência letal no Brasil, apontado em outras edições” (Mapa da Violência, 2019, pág. 49).
Nesta perspectiva, o resultado desta pesquisa aponta para uma lentidão, sobretudo no Poder Legislativo, de políticas mais eficazes voltadas para a resolução de um problema grave na sociedade: a de que o racismo mata, sobretudo, os jovens negros. Conforme o levantamento realizado, as propostas de enfrentamento à violência contra os jovens negros, elaboradas no âmbito das Conapir, não têm influenciado, como deveriam, as decisões tomadas pelos atores políticos, sobretudo no Poder Legislativo.
Diante desta realidade, a sociedade civil e a mídia precisam monitorar o governo federal e o Congresso Nacional na implementação das propostas das conferências nacionais, principalmente, diante dos indicadores nacionais de violência contra a juventude negra no Brasil. Além disso, é importante denunciar aos órgãos competentes, nacionais e internacionais, a ausência de investimentos e políticas que revertam essa situação. A sociedade não pode permitir a naturalização desses homicídios.
*Ivonne Ferreira, jornalista, especialista em gestão pública e políticas públicas, mestre em comunicação social e mestranda em relações internacionais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)