Opinião

Um basta às turbulências

No ano de 1999, derrotado na eleição para o Senado, o então deputado Roberto Campos (1917-2001) subiu à tribuna do Congresso Nacional para se despedir do mandato com um discurso que chamou de “retrospecto melancólico”. “Dezesseis anos depois, os temas inquietantes do país voltam a ser recessão e crise cambial”, lamentava o parlamentar eleito pelo PPB do Rio de Janeiro. “Isso demonstra que o Brasil não aprendeu a tecnologia do desenvolvimento sustentado. É um saltador de saltos curtos, e não um corredor de resistência”, comparou Campos, ex-ministro do Planejamento e um dos mais brilhantes formuladores de política econômica do país.

O discurso de despedida do economista, derrotado na eleição para o Senado, recebeu apartes de diversos parlamentares. Entre eles, o de um colega de partido. “Que o senhor seja feliz fora do Congresso como foi aqui dentro”, desejou o deputado Jair Bolsonaro, destacando ainda o fato de Campos ter sido o criador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e “o grande idealizador” do PIS/Pasep. Quase duas décadas depois, Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil e tem entre os integrantes de sua equipe econômica Roberto Campos Neto, que ocupa a presidência do Banco Central.

As palavras de Campos na tribuna nunca foram tão atuais. E devem ser trazidas à tona no momento em que o país assiste, perplexo, ao espocar de uma série infindável de “crises”, quase todas impulsionadas por fatos de pouca ou nenhuma relevância.

Foi criado até um mecanismo: depois de uma fala desavisada de algum representante do Executivo, a polêmica se instaura nos sites e nas redes sociais. E não para nunca, pois logo surgem os comentários da oposição e dos representantes dos outros poderes, com réplicas e tréplicas ad nauseam.

No passado recente, as crises políticas decorriam de fatos graves, investigados e julgados, em especial as que envolviam denúncias de corrupção nos poderes Executivo e Legislativo. Nos últimos meses, em especial nas últimas semanas, o que se observa é um quadro difuso e tumultuado pela propagação de fake news, que ganharam até uma CPI que nada rendeu até agora além de constrangimentos, e livres interpretações de divulgações de vídeos e mensagens.

Os constantes embates do presidente da República com jornalistas, por sinal, viraram rotina de beligerância: muitos ataques dos dois lados, muitas disputas de egos e a perda do foco nos verdadeiros problemas brasileiros. Estaríamos regredindo na convivência em níveis civilizatórios indispensáveis? E, ainda falando das maiores autoridades do país, deve um ministro do Supremo correr para externar sua visão apenas para marcar posição e salientar divergência com outros poderes?

Navegamos em águas turbulentas: provocações, xingamentos, grosserias, polêmicas, opiniões inoportunas. Enquanto isso, não se discute profundamente o maior de nossos problemas: o país, mesmo com a conquista de índices positivos como o controle da inflação e os juros baixos, não consegue deslanchar. Sua sofrida economia tem imensa dificuldade para repetir resultados obtidos em curto período do governo passado. Pior: são escassas as chances de crescimento expressivo nos próximos meses. É preciso avançar para atingir um patamar, no mínimo, acima do pífio. E a paralisia não pode ser creditada apenas ao Ministério da Economia. O esforço deve ser coletivo. Com objetivos claros e sadios. Sem politicagem.

Em seu discurso de despedida do parlamento, Roberto Campos vaticinou: “O Brasil é uma potência emergente que ainda não emergiu. Continua sendo um país com grande futuro no seu passado”. Infelizmente, o diagnóstico do economista continua atual, assim como uma de suas mais conhecidas máximas: “O Brasil nunca perde uma oportunidade de perder oportunidades”. Não há mais tempo nem oportunidades a perder. Ou o Brasil cresce ou submerge.