Nesta semana, li uma notícia que me fez pensar: eis aí mais um exemplo de que a infância está longe de ser prioridade neste país. A informação que me deixou pasma dava conta de que, em meio aos recursos de cerca de R$ 300 milhões que a Prefeitura do Rio de Janeiro indicou para arresto judicial, em dezembro, estava parte do Fundo Municipal para Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente. A verba apreendida é para cumprir decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que determinou à administração do município o pagamento de salários atrasados de profissionais terceirizados da Saúde.
Na quarta-feira da semana passada, o Ministério Público do estado ajuizou uma ação civil pública para que a prefeitura devolva a quantia retirada indevidamente do fundo — valor que beira os R$ 4,9 milhões. E o que respondeu a administração municipal? Disse que o arresto da verba foi “equivocado” e que atua junto à Justiça para o ressarcimento dos recursos. Será que só notaram o “equívoco” porque o MP entrou na história? Dias antes, o subsecretário de gestão do município teria dito que “do ponto de vista técnico, o dinheiro não seria devolvido ao fundo”, conforme consta na ação civil pública.
O fundo é composto por doações de pessoas físicas e jurídicas, e a verba se destina a projetos envolvendo meninos e meninas em situação de vulnerabilidade. Os programas que recebem dinheiro são definidos pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. “Impende ressaltar que, por se tratar de um recurso vinculado, por lei, ao atendimento de finalidades específicas e com fonte de custeio própria, não é lícito a utilização de referido dinheiro para custear qualquer outra despesa que não aquelas elencadas e definidas pelo Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente”, argumentou a Promotoria. Na ação, o MP diz também que o município deve dotar o conselho — “equipamento com muitas missões relevantes, imperiosa necessidade do serviço público” — dos meios materiais e pessoais essenciais para o seu funcionamento, o que, obviamente, não ocorre hoje.
Por causa do arresto, 11 instituições cadastradas poderiam ser impactadas — o conselho disse que restou na conta pouco mais de R$ 11 mil. É de causar perplexidade ou não? A prefeitura avançou numa verba que nem é oriunda do Orçamento dela. E mais: sob risco de prejudicar projetos destinados a crianças! Mesmo que os recursos fossem só da administração municipal, a medida seria inaceitável e um desrespeito à Constituição.
Reza a Carta Magna que criança, adolescente e jovem devem ter “prioridade absoluta”. Tirar dinheiro da assistência a esse público mais vulnerável e ignorar as necessidade de insumos e de pessoal de uma entidade voltada para atendê-lo são atitudes inaceitáveis em qualquer estado ou país realmente comprometido com a infância.