Correio Braziliense
postado em 25/02/2020 12:10
A 4ª Revolução Industrial tem atingido de forma dramática o mundo do trabalho. A transformação tecnológica tem a singularidade de englobar, simultaneamente, todos os ramos da economia capitalista. O que permite isso é a revolução digital e a sua capacidade de produzir mudança de paradigmas sem precedentes no domínio da economia e do social, dos negócios e do plano individual, criando uma integração entre o mundo digital, físico e biológico.Os debates acerca das consequências da profunda alteração em curso têm ganhado progressivamente os meios acadêmicos, políticos, empresariais e midiáticos. Há um interesse maior pelo que há por vir, mesclado por sentimentos de medo e entusiasmo, pois são contraditórios os prognósticos. Ora se apresenta um mundo distópico — com máquinas inteligentes tomando o lugar do ser humano e subjugando-o —, ora um mundo da utopia da emancipação do trabalho.
Na visão menos otimista, projeta-se que as implicações da nova fase da automação industrial e da economia digital serão, nas próximas décadas, catastróficas para o trabalho. Até 2030, segundo relatório da empresa de consultoria Mckinsey Global Institute (2017), a automação poderá atingir cerca de 60% das ocupações existentes hoje, estimando-se que entre 400 a 800 milhões de pessoas terão que mudar de posto de trabalho ou de profissão.
Após o fim da 2ª Guerra Mundial, nos países de capitalismo central, havia otimismo com a automação industrial, vista como via para a emancipação do trabalho. No entanto, a partir dos anos 1970, a economia capitalista entrou em longa fase de crise estrutural e regressão dos direitos sociais. Tinha-se início o neoliberalismo, isto é, a fase de destruição das forças produtivas, financeirização da economia, degradação acelerada da força de trabalho e aumento vertiginoso da desigualdade social. Portanto, a tão aguardada libertação deu lugar a seu contrário.
Nesse cenário, entre as novas tecnologias destrutivas estão as plataformas digitais. A plataformização ou uberização da vida e do trabalho se tornou o símbolo da precarização neoliberal do início de século 21. No entanto, uma descrição do atual mundo do trabalho nos remete às condições do século 19: baixos salários, inexistência de vínculo empregatício, informalidade, altas jornadas de trabalho (acima de 12 horas), quase nenhuma seguridade social etc. Mesmo assim, este novo mundo do trabalho é apresentado como jovem, cool, autônomo, livre de patrão. Flexibilidade é a palavra-chave desse modelo.
A aparente liberdade esconde nova forma de servidão. Em cada plataforma digital, tem-se um algoritmo que gere o trabalho e é capaz de intervir e orientar o comportamento dos indivíduos envolvidos. Assim, reforça-se o que há de mais tradicional no capitalismo, o controle sobre o processo de trabalho e a apropriação privada dos lucros. Enquanto os motoristas e entregadores de aplicativos se matam para conseguir uma renda digna, os donos se tornam multibilionários.
O Brasil, em vez de proteger os trabalhadores com leis e garantias sociais, tem impulsionado, desde Temer, reformas trabalhistas que retiram direitos e proteções. A consequência imediata tem sido o aumento da informalidade (hoje em 41,1% da população ocupada, segundo a Pnad Contínua-Ibeg) e do número de trabalhadores por conta própria (24,2 milhões, sendo 19,3 milhões sem CNPJ, isto é, sem proteção e garantias futuras). Parte desse contingente “informal” trabalha para essas plataformas digitais. Não trabalha para viver, vive para trabalhar num mundo cada vez mais caótico, precário e instável. É o distópico capitalismo de plataforma.
*Graduado, mestre e doutor em Sociologia pela Unicamp, é professor adjunto de sociologia da Universidade de Brasília (UnB)
*Graduado, mestre e doutor em Sociologia pela Unicamp, é professor adjunto de sociologia da Universidade de Brasília (UnB)
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