Opinião

Artigo: Troca de Comando

''O século 21 não é mera continuidade do século 20. Fenômenos políticos e econômicos pouco conhecidos provocam mudanças que o homem não consegue compreender e dominar''

A cada dois anos, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) renova a administração. O primeiro presidente foi o dr. Geraldo Bezerra de Meneses. Exerceu dois mandatos que se estenderam de 1946 a 1951. Seguiram-se, na presidência, os ministros Astolfo Serra, Delfim Moreira Júnior, Júlio Barata, responsáveis pela consolidação do Poder Judiciário Trabalhista.

Criada por Getúlio Vargas, em 1º de maio de 1939, como parte das comemorações do Dia do Trabalho, a Justiça do Trabalho se tornou integrante do Poder Judiciário com a promulgação da Constituição de 18/9/1946. São 81 anos de bons serviços, se aceitarmos como data de nascimento o Decreto-Lei nº 1.257, de 2/5/1939, ou 74 anos, se tomarmos como marco inicial a vigência da Constituição de 1946. O TST adquiriu identidade própria em 13/7/2016, graças à Emenda Constitucional nº 92 que lhe deu destaque ao lado do Superior Tribunal de Justiça.

Travei contato com o TST em maio de 1968, no Palácio do Trabalho, no Rio de Janeiro. Como advogado de trabalhadores metalúrgicos, compareci para representá-los em dissídio coletivo. A ele retornei muitas vezes, no Rio e em Brasília. Conheci ministros, dos quais preservo as melhores lembranças. Evoco a memória dos saudosos presidentes Hildebrando Bisaglia, Lima Teixeira, Mozart Victor Russomano, Rezende Puech, Orlando Teixeira da Costa.

A ministra Cnéa Moreira foi a primeira mulher a integrar o TST, representando o Ministério Público do Trabalho. Ingressou em 29/3/1990 e se aposentou em 2/3/1999; experiente, afável, segura, era rigorosa na defesa da Constituição e da lei. A ministra Maria Cristina Peduzzi é a segunda, sendo a primeira eleita presidente. Assumiu como representante da Ordem dos Advogados do Brasil em 21/6/2001. Exerceu a vice-presidência no biênio 2011/2013 e integrou o Conselho Nacional de Justiça dentro do mesmo período.

Não me deterei no currículo de magistrada cuja personalidade é exaltada por juristas brasileiros e latino-americanos. Tratarei das responsabilidades que enfrentará nos próximos dois anos. O século 21 não é mera continuidade do século 20. Fenômenos políticos e econômicos pouco conhecidos provocam mudanças que o homem não consegue compreender e dominar. Vem à lembrança frase de Marx: “Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo que era sagrado é profanado, e os homens são obrigados a encarar com serenidade suas condições de existência e as relações específicas”.

Em 1940, pouco antes da decretação da CLT, o Brasil possuía 41,2 milhões de habitantes. A industrialização era precária e se concentrava em poucas capitais. O proletariado habitava cortiços, ganhava mal e se sujeitava a precárias condições de trabalho. No breve espaço de 80 anos, o número de brasileiros saltou para 210 milhões. No mesmo período, a população mundial evoluiu de 2,5 bilhões (1950) para 7,75 bilhões.

A CLT resultou do desejo do presidente Getúlio Vargas. O golpe de 10/11/1937 estrangulou o Poder Legislativo, que voltou a funcionar em 1946. Para a época representava algo revolucionário, garantindo aos trabalhadores direitos inéditos e não reivindicados. Desde a década de 1980, transformações geopolíticas, sociais, econômicas e institucionais surpreendem os analistas e rompem precário equilíbrio no mercado de trabalho mundial. A onda de desemprego se avoluma e não se sabe o que fazer com milhões de refugiados.

Dotada de sensibilidade, a ministra Maria Cristina Peduzzi conhece a situação. A crise não lhe é indiferente. Sabe que combater o desemprego, o trabalho informal e a miséria depende de medidas econômicas. Não bastam os meios previstos pela Constituição ou na CLT. Milhões de empregos desapareceram tragados pela tecnologia, e não será simples recuperá-los em países subdesenvolvidos.

Responsável pelos direitos dos assalariados, a Justiça do Trabalho deve olhar o empregador como protagonista indispensável, jamais como inimigo a ser aniquilado. A evolução do Processo Judiciário do Trabalho não foi acompanhada pela modernização do direito material, construído na década de 1940 para mercado fechado, reduzido, onde não havia desemprego. A globalização, fruto do desaparecimento dos fatores distância e tempo, a informatização, a robotização, a automação, os drones, a inteligência artificial, adversários do trabalho humano, pertencem ao mundo real e não à ficção científica.

Ministra Maria Cristina Peduzzi, confiamos na coragem e no espírito de justiça de V. Exa., e lhe desejamos êxito na difícil missão. 

*Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho