Opinião

Artigo: De qual reforma fiscal necessitamos?

O Congresso Nacional retoma os trabalhos em mais um ano eleitoral. Entre os temas prioritários, vai se debruçar sobre a reforma tributária. A decisão que vier a tomar terá reflexos maiores do que a simples criação de uma nova estrutura tarifária a reinar em nosso país. As novas regras de impostos poderão, na prática, afetar a condição de República Federativa e, até, obstaculizar projetos de crescimento econômico de estados e municípios.
 
Reina nos corredores do Congresso o refrão de que no Brasil existem muitos impostos, que são 27 regras diferentes, uma para cada estado e que é preciso unificar em uma só para reduzir as despesas dos contribuintes, notadamente, das empresas de abrangência nacional. É falaciosa a afirmação de que essa bagunça fiscal só ocorre em terras tupiniquins. Que nas nações desenvolvidas existe apenas uma carga de imposto válido para todo o país.
 
Isso só procede nas nações que não adotam o regime federativo de governo. Se pegarmos, por exemplo, o caso dos Estados Unidos, veremos que lá existem até mais do que 50 regimes fiscais. Meia centena é a quantidade de unidades federadas, mas na terra de Tio Sam, o contribuinte tem vários impostos municipais. Dependendo das normas municipais e estaduais, pode incorrer até mesmo na obrigação de pagar três Impostos de Renda diferentes: federal, estadual e municipal.
 
Isso se deve ao fato da efetiva existência de autonomia dos entes federados. Washington não tem poderes para impor uma legislação fiscal para todo os Estados Unidos. A Califórnia tem seus impostos, que não são necessariamente os mesmos do Havaí, do Texas ou de Nova York. É exatamente a condição de autonomia fiscal que permite a estados e municípios adotarem políticas que atraiam mais empresas, que propiciem maior geração de emprego.
 
Tomemos, por exemplo, a capital do Ceará. Graças a uma decisão de isentar a cobrança de Imposto Sobre Serviços (ISS), Fortaleza conseguiu que a Air France e a KLM instalassem ali o seu hub (base de conexões) para todo o Brasil. Nessa ação vitoriosa, perdeu Brasília, já que o GDF não teve a mesma visão de oferecer os benefícios. Foi com a adoção de políticas fiscais diferenciadas que o Brasil experimentou a descentralização da indústria automobilística, hoje presente nas Regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sul, sem contar com a Zona Franca de Manaus. E também da farmacêutica. Anápolis é um exemplo disso.
 
Duas propostas tramitam no Congresso. Numa versão, haveria a unificação dos impostos federais, estaduais e até o ISS, municipal. Na outra, impostos federais seriam unificados em separado, mas os estaduais também o seriam, nacionalmente. Aos estados e municípios restariam apenas IPVA e IPTU e algumas taxas, tais como de Limpeza Urbana ou de Iluminação Pública. Mesmo o ISS, renda importante para as cidades, pode ser absorvido no tal imposto único.
 
A adoção de qualquer uma das duas propostas pode levar ao engessamento total da República Federativa. Uma espécie de congelamento da realidade econômico-social do Brasil. Quem é rico ficará rico, quem é pobre continuará pobre. Estados e municípios não mais teriam atrativos a oferecer para que uma determinada empresa se instalasse em seu território. De outro lado, uma decisão nacional de concessão de incentivo fiscal por parte da União para que determinada empresa estrangeira se instale no Brasil pode reduzir o bolo fiscal nacional e prejudicar as 27 unidades da Federação e os 5.570 municípios. Um lugar ganharia a nova empresa e todos pagariam a conta.
 
A reforma fiscal pode e até deve simplificar os tributos federais: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Importações, PIS, Confins, etc., mas não deve, sob pena de prejudicar os estados economicamente mais fracos, unificar os tributos. Um caixa único não é interessante nem mesmo para o processo democrático. Daria brecha para atrasos ou retenções de verbas destinadas a governos comandados pelos desafetos políticos.
 
Por seu lado, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos, os estados devem estar livres para montar sua grade tributária de acordo com suas necessidades de renda e projetos de desenvolvimento. Hoje, por exemplo, não se pode criar um imposto estadual ou municipal para penalizar quem é ambientalmente incorreto. Reduzir a carga fiscal de quem contribui para uma economia sustentável, também não.
 
Até mesmo o chamado IPTU Verde, com taxas atrativas para quem preservar a natureza em seus imóveis, depende de uma lei do Congresso Nacional e os incentivos fiscais requerem a concordância do Conselho Nacional dos secretários da Fazenda. Em outras palavras, São Paulo e Minas Gerais, se desejarem, podem impedir o avanço econômico do Ceará e do Piauí.
 
*Jornalista, é doutor em ciências da informação e comunicação