A qualidade questionável de grande parte dos cursos de ensino superior no Brasil não é novidade. São poucas as universidades brasileiras entre as melhores do mundo. Mesmo quando essas instituições entram em listas como a Times Higher Education, um dos principais rankings universitários do planeta, não se classificam nem entre as 100 primeiras. Isso influencia diretamente na formação de profissionais no país.
As críticas são em diferentes áreas. No direito, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) rotineiramente questiona a expansão desenfreada de cursos — e divulga reprovação quase sempre acima de 80% em sua prova que permite o exercício da advocacia. Em administração, diz-se que as escolas brasileiras nasceram como as dos Estados Unidos, mas pararam no tempo. E em educação, a percepção é de formação muito teórica, filosófica e pouco prática, descolada da realidade escolar.
Evidentemente, a mudança de cenário em nossos cursos superiores depende de ajustes e estímulos. Mas nos cursos de pedagogia e licenciaturas, o problema é gritante. Afinal, professores formam todas as demais profissões. Os 2,2 milhões de docentes da educação básica no país ensinam 45 milhões de crianças e adolescentes todos os dias. Atualmente, de maneira acachapante, 65% destes professores sentem que a formação inicial que tiveram não foi adequada para o dia a dia em sala de aula.
A pesquisa Retratos da Carreira Docente, realizada pelo Instituto Península com mais de 1.800 professores de todo país, chegou ao número aterrorizador de que praticamente sete em cada 10 professores brasileiros dizem que sua formação foi falha em relação aos desafios da sala de aula e das complexidades da sociedade atual. Ser professor é uma profissão desafiadora, que exige lidar com diferentes perfis de alunos, ritmos e estilos de aprendizado. Se não bastasse isso, 73% dos estudantes brasileiros estão na escola pública, historicamente mais vulnerável e exposta a problemas sociais mais graves.
Nos cursos de pedagogia e licenciatura de hoje, a didática e a prática são desvalorizadas. É aí que muitas perguntas ficam sem respostas. Como alfabetizar bem um aluno? Como garantir que cada criança aprenda, respeitando o seu ritmo? Como incluir crianças com deficiências? O que fazer quando um aluno está com fome ou traumatizado por maus-tratos? Muitos desses pontos foram, aliás, citados, na mesma pesquisa do Instituto Península, como dificuldades diárias dos professores.
O lado bom é que tal dificuldade não desanima os educadores. Eles sabem do desafio, mas querem avançar: 57% não pretendem mudar de carreira. Ainda na pesquisa, 77% dos docentes afirmam estar satisfeitos ou muito satisfeitos com a profissão e 78% se consideram importantes para os alunos, apesar da falta de reconhecimento, uma vez que 56% não acreditam que são valorizados por alunos, pais, colegas e sociedade.
Outro fator piorou a situação: a expansão do ensino a distância, que prevê prática, mas não de maneira condizente com a real necessidade, entre os professores. Em 2017, mais recente ano com dados disponíveis, quase dois terços dos novos universitários nos cursos de formação de professores se matricularam na modalidade EAD, segundo o Todos pela Educação. Para se formar médico, é obrigatório haver prática. Para ser piloto de avião é impensável só teoria. Engenharia, veterinária, enfermagem... por que a sociedade rejeita formação a distância para essas profissões e aceita que nossas crianças sejam formadas por profissionais que nunca pisaram em uma escola ou pouco praticaram em sua formação?
O docente não é apenas um transmissor de conhecimento, mas, sim, um mediador que precisa ensinar em variados contextos. Profissional mais estratégico da sociedade, o professor deve se desenvolver de maneira integral. É fundamental regular emoções, cuidar do corpo, refletir sobre crenças e valores, incentivar um ensino que vá além do ambiente escolar e incluir múltiplas perspectivas na atuação como docente. Sociedade, governo, famílias e educadores precisam atuar em conjunto para valorizar a profissão e oferecer as melhores ferramentas.
A qualidade da formação dos professores deve ser encarada como um marco para uma virada educacional no Brasil — e isso influenciará a formação de todas as demais profissões. Que 2020 sirva de largada para que, agora com a opinião dos próprios professores atestada, seja dada prioridade ao tema.
*Diretora executiva do Instituto Península
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