Embora o Brasil tenha conseguido, ao longo das últimas décadas, construir diversificado parque industrial e competitivo setor agrícola, as evidências do nosso subdesenvolvimento estão por toda parte: na educação, na segurança pública, na infraestrutura urbana e logística insuficientes, na desigualdade social, na concentração de renda etc. Nesse contexto, o multilateralismo consolidou-se como um dos pilares da diplomacia brasileira e como estratégia de redução das assimetrias de recursos de poder entre os países do centro e os da periferia para assim atingir seus objetivos estabelecidos nas suas relações com os países desenvolvidos.
Graças a tal estratégia, o Brasil e outros países conseguiram, por exemplo, tratamento especial como “país em desenvolvimento” nas relações comerciais com os países desenvolvidos no âmbito das Organização Mundial do Comércio (OMC). Aí o Brasil obteve vitórias comerciais importantes contra os Estados Unidos e o Canadá, por meio do seu órgão de solução de controvérsias, que está em processo de desmantelamento por pressão do presidente Donald Trump.
A notícia de que o governo americano apoiará a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) impõe a seguinte questão: Por que um país subdesenvolvido como o Brasil quer tanto fazer parte de um grupo de países desenvolvidos? Ou melhor, por que a OCDE, o grupo dos ricos, desejaria que o Brasil fizesse parte do seu grupo? Ora, o grupo político que sustenta o governo brasileiro é sabidamente fã do clichê liberal “não existe almoço grátis”, muito usado para justificar seu desprezo por políticas sociais custeadas pelo Estado.
Muito provavelmente, o interesse da OCDE, que sabe como é o funcionamento global do sistema capitalista, é o de extrair o tanto quanto for possível o excedente econômico do Brasil em benefício dos nacionais dos países do bloco em detrimento dos interesses da sociedade brasileira. Paralelamente a isso, os Estados Unidos exigem, e o governo brasileiro sinalizou positivamente nesse sentido, que, para fazer parte do seu grupo, o Brasil teria de renunciar à sua condição de “país em desenvolvimento” no âmbito da OMC. Ou seja, o Brasil nega as evidências de seu subdesenvolvimento (ou de país em desenvolvimento) para fazer parte de um grupo de países ricos e desenvolvidos. Essa situação encontra-se no mesmo grau de terraplanismo daqueles que acreditam não existir racismo no Brasil, que o nazismo é de esquerda ou que, até um ano atrás, vivíamos em um país socialista!
O governo acredita que seguir a agenda de reformas da OCDE contribuirá para a atração de um fluxo mais intenso de investimento direto para o Brasil. Mas será que a atração de investimento direto depende da adesão do Brasil à OCDE? Os dados do último relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) sobre investimento estrangeiro direto mostram que o Brasil, nos últimos 15 anos, foi um dos países que mais receberam esse tipo de investimento mesmo não fazendo todo o “dever de casa” ao longo desse período. Os números de 2018, mostram que o Brasil tem o 13º maior estoque de investimento estrangeiro direto.
Na sua frente estão EUA, Hong Kong, China, Cingapura e mais oito países desenvolvidos. Independentemente da aprovação de todas as reformas econômicas pretendidas pelo ministro Paulo Guedes, é muito provável que o país mantenha seu posicionamento entre os países receptores desse tipo de investimento. Ao fazer parte da OCDE, o Brasil renuncia à sua autonomia para construir um projeto de desenvolvimento nos mesmos moldes utilizados pelos principais países da OCDE para chegar onde chegaram.
*Analista-Pesquisador de Relações e Assuntos Internacionais da Fundação de Economia e Estatística do Estado do Rio Grande do Sul. Pós-doutorando em relações internacionais (IREL/UnB). Doutor em estudos estratégicos internacionais (UFRGS)