Opinião

Para além de uma política de 'canudinhos'



A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP 25 terminou recentemente, em Madri, na Espanha, e, mais uma vez, sem consenso. O meio ambiente voltou a ser capa de jornais pelo mundo, mas, na prática, a sensação é de que nada mudou.

Os quase 200 países participantes concordaram em apresentar em Glasgow, na Escócia, compromissos mais ambiciosos de redução dos gases causadores do efeito estufa. Não conseguiram agir com o mesmo senso de urgência exigido pela comunidade científica. A reversão do aumento gradativo da temperatura global necessita de um esforço muito maior do que os países parecem estar dispostos a cumprir.

Não é um debate simples. Há décadas busca-se soluções para o futuro. Lá na nossa Eco 92, no Rio de Janeiro, a presença de líderes mundiais para tratar do assunto foi um avanço e acendeu necessário holofote para a questão ambiental. O documento final, assinado por representantes de 179 países, serviu como alerta global e evidenciou o desejo de mudança no modelo de desenvolvimento econômico.

Se voltarmos novamente ao debate promovido em 1992, repararemos que havia o alerta sobre a necessidade de buscarmos soluções alternativas para o eixo consumo-ambiente, vejamos: “Sem o estímulo dos preços e de indicações do mercado que deixem claro para produtores e consumidores os custos ambientais do consumo de energia, de matérias-primas e de recursos naturais, bem como da geração de resíduos, parece improvável que, num futuro próximo, ocorram mudanças significativas nos padrões de consumo e produção”.

Passadas quase três décadas, no Brasil, temos a oportunidade única de trazer essa discussão para o campo prático. Nos próximos meses, teremos uma proposta de reforma tributária em que a taxação de um produto, ou de um serviço, em função de seu impacto ambiental deve ser considerada. No ano passado, surgiu no Congresso Nacional um movimento pluripartidário, a Frente Parlamentar pela Economia Verde, composto por congressistas e dezenas de entidades que defendem a produção sustentável, o estímulo a redução do custo ambiental e que acreditam na diferença de preço dos produtos e serviços eco-friendly.

Uma nova ordem tributária, que leve em consideração o impacto ambiental de bens e serviços, é defendida sistematicamente pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Estudo recente, publicado em conjunto com o Banco Mundial e o Programa nas Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente) acerca do desenvolvimento sustentável, destaca o papel dos tesouros nacionais e dos bancos nacionais de desenvolvimento, especialmente de países em desenvolvimento, no financiamento da infraestrutura de baixo carbono e da Economia Verde.

Relatório recente da Organização Mundial da Saúde (OMS), lançado na COP 24 (realizada na Polônia), estima que nos 15 países que mais emitem gases de efeito estufa, os impactos da poluição do ar na saúde custam mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB). O documento indica que a exposição à poluição do ar provoca, por ano, 7 milhões de mortes em todo o mundo e custa cerca de 5,11 trilhões de dólares em perdas para os governos.

Existem inúmeros exemplos de que é possível conciliar crescimento econômico e preocupação ambiental. Diversos países já perceberam que a Economia Verde é o caminho mais adequado. De acordo com a Agência Europeia de Ambiente (AEA), houve aumento contínuo da utilização de tributos ambientais pelos países membros na última década, com uma aceleração mais acentuada nos últimos cinco a seis anos. A tributação diferenciada tem sido implantada com intensidade na Escandinávia, Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Holanda e no Reino Unido, e uma das principais vantagens, segundo o relatório da AEA, é a incorporação dos custos ambientais nos preços dos produtos.

O atual comissário de Relações Econômicas da União Europeia, Paolo Gentiloni, declarou que o bloco pretende investir mais de um bilhão de euros em desenvolvimento ambiental. Uma das ideias, disse, será “revisar o sistema tributário, porque a tributação é uma das maneiras pelas quais a UE pode influenciar o comportamento de produtores e consumidores”.
Outro exemplo é a cobrança de impostos sobre aterros sanitários, uma estratégia adotada em países como Alemanha e Holanda para estimular a reciclagem. A China concede isenção de impostos a empresas de materiais de construção que reciclam pelo menos 30% de seus resíduos industriais. Na Noruega, há um regime que pune com impostos elevados as embalagens com baixo índice de reciclagem ou de reutilização. Já nos Estados Unidos, há créditos fiscais para a produção de energia renovável.

A Economia Verde traz para o debate a necessidade de enfrentarmos um dos maiores problemas da modernidade: a produção diária de resíduos urbanos. No Brasil temos bons exemplos. A alta reciclabilidade é um pressuposto para a formação de uma economia circular harmônica, caminho a ser seguido por diversos produtos sustentáveis para invadirem as prateleiras dos supermercados. Produtos que propõem uma transformação na maneira de consumir, no design dos produtos e até na nossa relação com as matérias-primas devem ser considerados.

No caso do Brasil, a tributação diferenciada já está prevista na Constituição, que em seu artigo 170 estabelece: “a ordem econômica tem como objetivo assegurar a todos uma existência digna, observada a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.

A preocupação ambiental incorporou-se definitivamente entre as urgências mundiais. Estamos certos de que os parlamentares brasileiros demonstrarão sensibilidade ao caráter inadiável de reconstrução do modelo de desenvolvimento econômico e social na análise e na votação da reforma tributária. Mais que gesto simbólico ou jargão setorial, a Economia Verde deve ser pressuposto intrínseco a qualquer debate que envolva economia e critério de definição do modelo econômico.