A classe média desempenha papel importante na qualidade dos serviços públicos. Quando ela os abandona, a excelência despenca. Assim foi com a educação, os transportes e a saúde. As escolas mantidas pelo governo, à medida que perdiam o público socialmente privilegiado, baixaram o nível do ensino oferecido.
Com o transporte ocorreu o mesmo fenômeno. A chegada da indústria automobilística tornou o carro objeto de desejo da população. Destinados aos pobres, os ônibus sofreram processo de sucateamento. O Estado, por seu lado, negligenciou investimentos no setor.
A saúde seguiu trilha semelhante. Em pesquisas populares, figura no topo das preocupações da população. Mas, ao falar no assunto, o cidadão se refere ao seguro privado, não ao Sistema Único de Saúde (SUS). O sonho é fugir das unidades mantidas pelo governo.
Com razão. O noticiário e as imagens divulgadas pela imprensa mostram cenário de abandono e degradação que constrangem as consciências civilizadas da nação: filas sem fim, enfermos em corredores, falta de profissionais, carência de remédios básicos, equipamentos sem manutenção, acesso cada vez mais afunilado.
A crise econômica que castiga o país há meia década obrigou a mudanças no comportamento do brasileiro. Premida pelas dificuldades, a classe média volta à escola pública, deixa o carro na garagem e abandona os planos de saúde. Entre 2014 e 2018, mais de 3 milhões de usuários abriram mão do seguro privado. A sangria continua.
Há que lembrar a guinada no perfil do trabalhador. Além do desemprego alto, cresce o número de profissionais que atuam na informalidade. Muitos contavam com planos corporativos, que tornam a contribuição proporcional aos rendimentos. Sem possibilidade de arcar sozinho com o ônus, a saída é bater às portas do SUS.
O fato autoriza duas leituras. Uma acende a luz vermelha. A procura, sem resposta adequada na ponta da oferta, vai sobrecarregar o equipamento hospitalar. O ruim tende a piorar. A outra permite vislumbrar clarão no fim do túnel. A pressão levará à guinada em direção à melhora dos procedimentos.
Especialistas afirmam que, com gestão profissional, investimento na prevenção, reforço dos centros de saúde e das pequenas unidades, é possível oferecer qualidade para todos. O Brasil, vale frisar, é o único país com dimensões continentais e população superior a 200 milhões de habitantes que universalizou o acesso gratuito à saúde. Merece amplo uso. Mas falta completar o percurso.
O brasileiro faz o caminho de volta. Com o retorno de um público exigente, que conhece patamares superiores de qualidade, os serviços públicos serão forçados a melhorar. E, com eles, os privados, que, para atrair clientes, têm de oferecer bem mais.
Jair Bolsonaro, que se elegeu com a bandeira da mudança, está convocado a cumprir a promessa. Não só. O segundo vilão da inflação em 2019 foi o plano de saúde. Segundo o IBGE, as famílias gastaram 8,24% a mais com o seguro. Contribuíram com 0,34 ponto porcentual sobre a inflação de 4,31% acumulada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo. Não é pouco.