Em um governo no qual o ministro da Educação escreve “imprecionante”, “paralização” e “suspenção”, e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos defende a abstinência sexual de adolescentes como prevenção da gravidez, era possível esperar qualquer coisa em relação à política externa. O cego alinhamento do Itamaraty com os Estados Unidos levou o Ministério das Relações Exteriores brasileiro a opinar, da forma mais infeliz e absurda, sobre o que não lhe cabe. A diplomacia de Rio Branco chegou a insinuar que o general iraniano Qasem Soleimani, comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária Iraniana abatido pelos EUA, era terrorista. Além de a avaliação ser condenável para quem não conhece a fundo a realidade do Irã, o gesto coloca o Brasil nas lentes do extremismo islâmico. Tudo para cortejar o presidente norte-americano, Donald Trump.
Aventurismo não cabe à diplomacia. Teerã cobrou explicações do governo brasileiro sobre a nota do Itamaraty. Depois de declarações estapafúrdias de Jair Bolsonaro, ao negar que Soleimani fosse general, o presidente brasileiro adotou o silêncio. Provavelmente não por bom senso ou por perspicácia política, mas aconselhado por alguém que deve ter percebido o terreno minado no qual estava se metendo, apenas por questões ideológicas. Marca indelével do governo que coloca religião e conservadorismo sobre laicidade e liberdades civis.
Ainda que os receios de o Brasil entrar em uma guerra com o Irã sejam infundados, os riscos reais são os de indisposição com proxies e aliados do regime iraniano e de danos ao comércio bilateral. No momento em que se propala recuperação da economia brasileira, seria pouco inteligente colocar em risco parcerias comerciais em mercados externos. Além disso, a nossa Tríplice Fronteira com Argentina e Paraguai serve de abrigo para militantes do movimento fundamentalista islâmico libanês Hezbollah. O grupo, xiita como o Irã, é suspeito de explodir o centro comunitário judaico Associação Mutual Israelita Argentina, em 18 de julho de 1994. O atentando suicida com carro-bomba, em Buenos Aires, deixou 84 mortos.
Não existe justificativa lógica para o presidente da República ou o Itamaraty ofenderem ou causarem mal-estar a um Estado envolto em uma crise que não diz respeito ao Brasil. Não somos anões diplomáticos, mas também estamos longe de sermos gigantes. Assumir uma postura perigosa somente para agradar aos Estados Unidos é algo tão “imprecionante” quanto o ministro da Educação escrever errado ou a ministra responsável pela família e pelos direitos humanos desejar que todos os jovens não tenham vida sexual.