Correio Braziliense
postado em 04/01/2020 15:00
No dia 25 de dezembro lembramos Sigmaringa Seixas. Fonte de inspiração para todos os que buscam transformar o Brasil, a trajetória de Sig, apelido carinhoso dos amigos, materializa uma frase simples: o melhor das pessoas mora dentro da gente.
A herança desse ativista dos direitos humanos, advogado e parlamentar foi à luta destemida e vitoriosa pelo retorno do Estado de Direito. Hábil articulador, seu exemplo impulsiona, hoje, ações e movimentos de resistência aos atos de corrosão da democracia. É o caso do movimento Prerrogativas, união de mais de 300 estudiosos, especialistas e profissionais do direito em todo o país.
O legado de Sigmaringa convida também as forças progressistas a romper o silêncio, sobretudo neste momento político em que “o campo democrático tem enormes responsabilidades para evitar a catástrofe”, como disparou a sirene de alarme do cientista político Marcos Nobre no brilhante texto “Contagem regressiva”, publicado na revista Piauí. “Uma democracia reduzida ao voto não precisa de imprensa livre, Judiciário independente, escola que fomente a tolerância, Legislativo que fiscalize, movimentos sociais de contestação”, adverte o articulista.
No pacto pela democracia, vale resgatar a fala do ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo, em debate com juristas registrado pelo blog do jornalista Juca Kfouri em fevereiro passado. Ao comentar o risco de usar o Poder Judiciário como instrumento político, Lembo disparou: “O ativismo jurídico tornou-se uma arma horrível contra a sociedade, particularmente contra aqueles mais fracos dentro da estrutura de poder existente no Brasil”.
Enfrentamos em 2019 o duro combate contra os porta-vozes do autoritarismo que deturpam princípios constitucionais e reverberam — na imprensa e por toda a sociedade — visões equivocadas a respeito de garantias e direitos dos cidadãos. Com uma visão que não alcança os fundamentos do Estado de Direito apregoam, entre outros disparates, que a presunção da inocência é meramente um “privilégio”, ou um “subterfúgio”.
Ao denunciar as consequências nefastas de tais concepções para a democracia, seguimos os passos de Sig na luta pelos direitos básicos da cidadania, na valorização da advocacia como instrumento essencial para a construção da Justiça e na redução das desigualdades, pauta tão urgente em uma sociedade sedimentada sob os pilares da escravidão, exclusão e autoritarismo.
Ao agir sob as premissas da Constituição Federal e da valorização do exercício da advocacia, atuamos de forma decisiva, ao lado de outros aliados do Estado de Direito, na vitória do preceito legal da presunção da inocência. Reescrever a Constituição não cabe ao Poder Judiciário, nem mesmo interpretá-la de forma seletiva. “Não é dado ao intérprete ler o preceito constitucional pela metade, como se tivesse apenas o princípio genérico da presunção da inocência, ignorando a regra que nele se contém — até o trânsito em julgado”, ponderou a ministra Rosa Weber ao proferir o voto nesse tema.
A lucidez democrática, tão vibrante nos embates de Sigmaringa, alimenta os desafios do presente. Nos graves retrocessos do “pacote anticrime”, do ministro Sergio Moro, por meio da construção de pontes com o Legislativo, estivemos juntos, com outros atores sociais, para conter danos, em que pese a desidratação das maldades não ter sido completa.
Ao institucionalizar, em 2019, com ato na Ordem dos Advogados do Brasil, o movimento Prerrogativas tem a certeza de que o melhor de Sigmaringa vive em nós. Sig não viveu em busca da admiração ruidosa da multidão, tentação que oblitera o fato de que o cumprimento da lei não precisa de aplausos. Tão somente dedicou-se a “reinstalar a solidariedade humana”, no apelo feito por Nelson Mandela.
E buscou exercer a advocacia com o senso de que qualquer injustiça constitui ameaça para toda a sociedade. Dar vida, voz e conquistar protagonismo nessas lutas será a nossa eterna homenagem ao inesquecível amigo Sig. Hoje e sempre.
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