O investimento em eficiência hídrica compensa e há exemplos no Brasil e no mundo que mostram como a união entre empresas, agências públicas e comunidade pode trazer resultados positivos. Nacionalmente, podemos voltar os olhos para a maior seca da história recente de São Paulo. Em 2015, a eficiência hídrica e o reúso de água permitiram que a Braskem, por exemplo, evitasse um impacto negativo nas operações no polo do ABC que poderia ter chegado a R$ 200 milhões. O setor empresarial tem que considerar o reúso como possibilidade em tempos de abundância, e assim adotar medidas e ações preparativas que garantam a segurança hídrica em tempos de escassez.
A Califórnia experimentou uma seca sem precedentes no início dos anos 1990, que levou o governo a impor medidas restritivas de consumo de água envolvendo os setores público, privado e os cidadãos. Desde então, os serviços de provisão de água investiram na conservação em ambientes internos, escoamento superficial e armazenamento subterrâneo, novas conexões que possibilitaram o compartilhamento da oferta entre agências vizinhas, reciclagem de água de reúso e de chuva, assim como compra por meio do mercado de água do estado. Em 2014, com a colaboração do CEO Water Mandate, um grupo de empresas, organizações sociais e produtores locais criaram a California Water Action Collaborative (Cwac), plataforma que reúne diversos atores em projetos para melhorar a segurança hídrica para as pessoas, negócios, agricultura e natureza, que já ajudaram a economizar 950 milhões de litros de água.
Na Índia, temos mais um exemplo, no caso com relação ao saneamento básico. A Swachh Bharat Mission (SBM) foi lançada pelo governo em 2014 com os objetivos principais de erradicar a defecação em locais abertos, que afeta 569 milhões de pessoas, e prover infraestrutura de sanitários a todos os indianos. Para isso, seriam necessários investimentos totais de US$ 25 bilhões nas áreas rurais e urbanas, com um desafio: o financiamento. A solução veio da união de fundos municipais, recursos comunitários e contribuições das empresas. Companhias com patrimônio líquido e lucratividade elevadas dedicam 2% do lucro a projetos de responsabilidade social, e muitas delas destinaram parte do montante para o financiamento do SBM, o que somou US$ 50 milhões entre 2014 e 2015. O esforço conjunto mudou a realidade de 200 milhões de pessoas, que agora têm acesso ao saneamento básico.
Atualmente, a discussão brasileira sobre água e saneamento tem se concentrado na proposta do projeto de lei do saneamento básico (PL 4162/19, do Poder Executivo), que coloca em questão a atuação de empresas públicas e privadas no provimento desse serviço à população. É importante que os diferentes stakeholders atuem juntos, com foco no objetivo central, a entrega do serviço, via organização pública ou privada.
As políticas públicas são essenciais para o avanço, mas é preciso compreender que água e saneamento básico são responsabilidade de todos. Mesmo as empresas não especializadas no negócio do saneamento e da provisão de água potável têm o dever de cuidar desse tema dentro das fábricas, na sua cadeia produtiva e nas comunidades onde atuam. Não é possível ter uma atuação alinhada aos princípios da sustentabilidade se funcionários e a população que está no entorno das operações empresariais vivem sem água e saneamento básico. Exemplos no Brasil e no mundo mostram que os investimentos em segurança hídrica e infraestrutura podem evitar perdas econômicas e melhorar o bem-estar de cidadãos. Não existe solução mágica. Reverter esse cenário demanda trabalho conjunto e foco total no grande desafio.
*Presidente do The CEO Water Mandate e Pacific Institute
*Diretor-presidente da Aegea MT.PA e coordenador do GT Água e Saneamento da Rede Brasil do Pacto Global