Iara Pietricovsky*, Katia Maia*
postado em 26/12/2019 10:16
Em 2014, as Nações Unidas anunciaram que o Brasil tinha saído do Mapa da Fome por ter reduzido a desnutrição para menos de 5% da população. Dados do Banco Mundial afirmam que, entre 2004 e 2014, mais de 26 milhões de pessoas saíram da pobreza e o índice de Gini (desigualdades) caiu de 0,59 para 0,51 entre 1999 e 2014. Essas conquistas foram fruto de uma relação virtuosa entre crescimento econômico e capacidade redistributiva do Estado.De 1999 a 2014, o Brasil cresceu a uma taxa média anual de pouco mais de 3%. Ao longo desse período, foram implementadas importantes políticas públicas, entre as quais, o aumento real do salário mínimo; a expansão de crédito subsidiado para o fortalecimento da agricultura familiar (Pronaf); a criação e a expansão do Programa de Aquisição de Alimentos (PPA); a criação e a expansão do Programa Bolsa Família; e o aumento do valor e número dos beneficiados do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
Somaram-se outras medidas destinadas a incluir parcelas da população duplamente penalizadas por serem mulheres, negros, indígenas e quilombolas. Assim, o PAA e o Pronaf contavam com modalidades específicas. O Pnae repassava valores per capita maiores para o atendimento de educandos quilombolas e indígenas. Foram criados programas educacionais que facilitaram o acesso de pessoas de baixa renda, negros e indígenas ao ensino superior (Fies e quotas). Além disso, foram consolidados intensos mecanismos de participação popular que aproximaram cidadãos e gestores públicos.
O conjunto dessas políticas e processos fizeram com que o Brasil fosse reconhecido por suas ações no combate à miséria, fome e desigualdades e fosse chamado a compartilhar sua experiência internacionalmente. O país participou de espaços multilaterais de decisão e assumiu a liderança em diferentes iniciativas globais e regionais.
Contudo, verificou-se que eram frágeis os alicerces que sustentavam esse período de inclusão e redistribuição. As desigualdades abissais e estruturais que perpassam a sociedade brasileira e que não foram eliminadas se fizeram presentes. Em 2014, ao entrar em profunda recessão econômica, o país inicia a implementação de medidas de austeridade, priorizando o corte de gastos sociais.
As consequências caem diretamente sobre as pessoas mais pobres, que perdem emprego, veem a renda desmoronar e não conseguem acessar serviços públicos de qualidade. Os recentes dados do IBGE para o ano de 2018 mostram que um quarto da nossa população está na pobreza. São mais de 52 milhões de pessoas com rendimentos inferiores a R$ 420 por mês. Dessas, 13 milhões são extremamente pobres, com a renda mensal inferior a R$ 145, não tendo recursos suficientes para se alimentar adequadamente.
Mas a questão não é só econômica. O racismo persiste abissal e vergonhoso: 73% das pessoas em situação de pobreza são negras. O percentual de jovens brancos cursando ou tendo cursado o ensino superior é duas vezes maior que a de jovens negros. As desigualdades extremas são fator determinante da miséria e da fome.
Seu enfrentamento definitivo é urgente e passa, necessariamente, pela implementação de uma reforma tributária que priorize a progressividade, pela revogação do Teto dos Gastos sobre as políticas sociais, pela ampliação de políticas públicas inclusivas, pela retomada dos processos de participação popular e pelo combate ferrenho à discriminação institucional, que afeta mulheres, negros e povos indígenas.
* Iara é colegiada do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
* Katia é diretora executiva da Oxfam Brasil