O mais recente Panorama Geral da Saúde publicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) traz informações socioeconômicas e epidemiológicas relevantes para quem pensa em gestão de saúde pública. Numa lista de 44 países analisados, o Brasil é o 37; em gasto per capita, com US$ 1.282, ou seja, menos de um terço da média da OCDE, que é de aproximadamente US$ 4 mil. O relatório apresenta 80 indicadores, refletindo as diferenças entre os países em relação a fatores de risco, comportamento, acesso, qualidade da assistência e recursos disponíveis para a saúde num grupo formado pelos 36 países-membros e oito candidatos e parceiros, que inclui o Brasil.
Entre as principais conclusões, aponta que: ganhos na longevidade estão crescendo mais devagar, principalmente na França, Estados Unidos e Holanda; doenças crônicas e problemas de saúde mental afetam cada vez mais pessoas; tabagismo, bebida e obesidade continuam a levar as pessoas a morrerem prematuramente e a piorar a qualidade de vida; os resultados e experiências relatados pelos pacientes, embora melhorando, precisam de mais atenção em termos de segurança e eficácia; as barreiras ao acesso persistem, sobretudo entre os menos favorecidos; os países gastam muito em saúde, mas nem sempre gastam tão bem quanto poderiam.
O nível de gastos com saúde, cobrindo necessidades individuais e saúde da população como um todo, depende de fatores demográficos, sociais e econômicos, bem como a realidade de cada país. Nos Estados Unidos, por exemplo, o gasto per capita, em 2018, foi de US$ 10 mil, enquanto no México, no outro extremo, não passou de US$ 1.138. Mas o gasto médio entre os integrantes da OCDE cresceu 2,4% de 2013 a 2018, para os atuais US$ 3.994.
A proporção de gastos em relação ao PIB, que varia de 16,9% nos Estados Unidos a 3,1% na Indonésia, tem mantido a média de 8,8%. Com 9,2 % do PIB nacional gasto em saúde em 2018, o Brasil está ligeiramente acima da média da OCDE, o que não é, necessariamente, uma vantagem. Estimativas da OCDE indicam que a média dos gastos em saúde pode chegar a 10,2% do PIB até 2030, levantando preocupações quanto à sustentabilidade. No Brasil, um estudo do Instituto Coalização Saúde, em 2017, já alertava para o risco de os custos com saúde chegarem a até 25% do PIB brasileiro, tornando o sistema insustentável, se não houver mudanças de políticas e de atitudes.
De acordo com o panorama traçado pela OCDE, prevenção e assistência médica poderiam ter evitado cerca de 3 milhões de mortes prematuras, principalmente as causadas por ataques cardíacos, derrames e outras doenças cardiovasculares ou câncer. As taxas de obesidade continuam a aumentar: 56% dos adultos e quase 1/3 das crianças entre 5 e 9 anos estão obesos ou acima do peso. Um estilo de vida pouco saudável, com alimentação inadequada, consumo excessivo de álcool, tabagismo e sedentarismo, é a principal causa de muitas doenças crônicas, reduzindo a expectativa de vida e piorando sua qualidade.
Reverter esse quadro depende mais do como se gasta do que o quanto se gasta na gestão dos recursos. O ponto de partida deve ser estimular uma mudança de cultura para ampliar a atenção primária, tendo como foco um modelo que fortaleça iniciativas de prevenção e valorize o papel de equipes multidisciplinares, lideradas por médicos de família, como porta de entrada para a assistência de saúde. Segundo o Ministério da Saúde, este modelo, já adotado por meio dos programas oficiais de Estratégia de Saúde da Família, tem potencial para resolver cerca de 80% das demandas da população.
É necessário acabar com o mito de que as melhores soluções são sempre as mais caras. Em tratamento de problemas de coluna, por exemplo, já se demonstrou que 60% das indicações de cirurgias eram desnecessárias, com elevados custos para o sistema e nenhum benefício para os pacientes. Coisas simples, como o parto natural e o aleitamento materno têm impacto altamente positivo para as mães e seus bebês. Estudo publicado recentemente, com base na análise de fezes de lactantes, mostrou que os nascidos de parto normal apresentavam bactérias não benéficas para a saúde da microbiota enquanto os nascidos de cesárea apresentavam bactérias infecciosas e, pior, a ausência de algumas bactérias não benéficas ao organismo, que só se desenvolvem em parto normal.
O foco em atenção básica representa menos desperdício de recursos. Em sua proposta ;Uma agenda para transformar o sistema de saúde;, o Instituto Coalizão Saúde aponta que o Brasil gasta mais com média e alta complexidade do que países de referência: 67% do orçamento total são gastos nesses níveis de atenção, enquanto a média dos países da OCDE é de 55%. Medidas simples e a adoção de recursos como a telemedicina têm enorme potencial para facilitar a atenção básica e democratizar o acesso, melhorando a assistência para milhões de brasileiros.
*Presidente do Instituto Coalizão Saúde (Icos) e Presidente do Conselho do Hospital Israelita Albert Einstein