Os movimentos de reestruturação econômica ocorridos até este momento, entretanto, ainda carecem de catalisador. Ainda falta um dínamo para ativar os benefícios que os ajustes na estrutura das aposentadorias e o novo pacto federativo podem promover de impacto positivo no resgate do crescimento do país.
Por isso é muito importante acionar o senso de urgência para avançar o quanto antes na formatação definitiva da reforma tributária. É ela que vai dar consistência ao alívio que a reestruturação na Previdência oferecerá à máquina pública. Vai ser ela também a sustentação ao equilíbrio de forças para a relação entre União, estados e municípios que o pacto federativo propõe.
Uma reforma que dê sustentação a médio e longo prazo aos desafios fiscais que se avolumam e se desenham no horizonte e que, antes de tudo, ofereça saídas para um sistema que é caótico, cheio de exceções que sufocam estados e municípios, dão força à sonegação e travam o poder de investimento no Brasil.
Os exemplos de uma cadeia de tributação calcada em desorganização, burocracia e falta de transparência que causam distorções e injustiças são fartos. Estudo da E, por exemplo, revela que, desde a Constituição de 1988, já foram editadas mais de 290 mil novas regras envolvendo o sistema de arrecadação brasileiro, em todas as esferas. É algo como 30 modificações por dia, uma a cada 1,3 hora. Não há planejamento e competitividade que deem conta.
Apesar de envolver cálculos, taxas, percentuais e todo um arcabouço contábil e fiscal, a estrutura tributária brasileira, no fim das contas, está longe de parecer uma ciência exata, com critérios subjetivos e pouco transparentes. É preciso perseguir um modelo que preze pela simplificação, pela previsibilidade e a consequente segurança jurídica, tirando a força de casuísmos e, principalmente, da sonegação.
Por falta de regras claras, fiscalização séria e punição contundente, a sonegação representou, apenas em 2018, rombo de R$ 345 bi na arrecadação, de acordo com um cálculo realizado pelo Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). O cenário exige providências factíveis e sem ilusões simplistas. É preciso responsabilidade e pés no chão, com atenção ao timing e às possibilidades que não podem ser desperdiçadas.
E o momento pós-aprovação da reforma da Previdência e a abertura das discussões referentes ao impacto do novo pacto federativo para dar mais eficiência ao poder público é, de fato, favorável. A tributária é a ponte, o suporte para os avanços estruturais conquistados até aqui. Uma via que garantirá o óbvio, como saber o quanto será gasto para se definir o quanto será necessário arrecadar.
Só a reestruturação da arrecadação vai gerar confiança para o setor privado planejar e investir. São necessários marcos regulatórios transparentes e que gerem segurança para embalarmos em um círculo virtuoso de estabilidade fiscal que, hoje, não é uma realidade no poder público. Estados sofrendo de incapacidade crônica de honrar com seus servidores revelam apenas a ponta de um iceberg. Aproveitar o alívio fiscal que o pacto federativo pode representar é parte do processo, mas mirar no objetivo de acabar com o vale-tudo que impera na atual configuração tributária brasileira é urgente.
Chegamos a um estágio em que o valor das disputas tributárias entre contribuintes (pessoas física e jurídica) e o Estado (União, estados e municípios) chegaram a R$ 5 tri, segundo levantamento dos pesquisadores Breno Vasconcelos, Lorreine Messias e Larissa Longo. Cifra que equivale a 73% do PIB nacional e 14% maior que o valor de mercado de todas as empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo. Estamos falando de cerca de 300 companhias.
São deturpações visíveis a olho nu, uma gigantesca pirâmide de complexidades que envolve o sistema tributário e suscita questões óbvias: por que o Brasil adota cinco tributos para bens e serviços em vez de um único (IVA), como praticado em o 168 países? Faz sentido a área tributária de uma empresa ser maior que o departamento de marketing ; e como achar racional serem necessárias 1.500 horas anuais de trabalho desse pessoal para o pagamento dos impostos? Os dados acima, da Endeavor Brasil, deixam claro que simplificar é preciso. Só assim aproveitaremos o embalo positivo das reformas destravadas em 2019 para sermos mais produtivos, competitivos e justos.
*Presidente da Raízen
*Presidente da Raízen