Não houvesse outros motivos, bastaria o impacto da escolaridade no processo de inclusão e ascensão social das camadas menos favorecidas da sociedade, para tornar a questão uma das prioridades centrais dos governantes. Para corrigir e reverter a degradação do sistema de ensino ; um universo de unidades da Federação, 5.570 municípios, mais de 50 milhões de alunos e 5 milhões de funcionários distribuídos por mais de 200 mil escolas do ensino fundamental e médio ; um bom começo fosse o resgate da figura do professor.
Entre 2012 e 2013, houve queda de pelo menos 22 mil concluintes dos cursos de licenciatura, segundo o Censo do Ensino Superior. Além de prejudicar a qualidade de ensino, as reconhecidas deficiências da gestão escolar são fator de desestímulo, pois os professores mais interessados e motivados se veem privados de boas condições para exercer o ofício. Primeiro ponto a receber crítica dos especialistas: a prevalência de indicações políticas para cargos de gestão, quase sempre sem respeito a critérios de competência ou formação profissional.
A mídia tem se ocupado do tema ao afirmar que a má qualidade do ensino não se deve ; como muito se fala ; à escassez de recursos orçamentários. Se ainda havia dúvida quanto a isso, ela seria eliminada pelo volume de dinheiro distribuído pelo Ministério da Educação a estados e municípios.
Apesar da fartura de reais, a maior parte dos estados beneficiados não atingiu a média nacional do Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb). Além da má gestão, os recursos são alvo de corrupção, segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU). A PF já prendeu ex-prefeitos, vereadores e secretários de Educação por desvios milionários na educação. Entre os ralos pelos quais escoa o dinheiro, há gastos perdulários, falhas administrativas, contratos irregulares, superfaturamento, fraudes em licitações, notas fiscais frias.
A CGU apontou, ainda, a falta de preparo técnico dos integrantes dos conselhos de acompanhamento do Fundeb, criados para promover o controle social dos gastos do fundo. Boa parte deles não monitorou a aplicação das verbas, não supervisionou a realização do Censo Escolar nem acompanhou a elaboração do orçamento anual da educação nos respectivos municípios. E, para piorar a situação dos sofridos professores, boa parte das prefeituras não destina os 60% dos recursos para pagamento dos educadores.
Há casos de professores e diretores escolares que conseguem driblar as dificuldades e obtêm resultados surpreendentes nos quesitos qualidade do aprendizado e respeito das comunidades em que atuam. De um lado, eles despertam admiração e aplausos. De outro, causam perplexidade e até desencanto com nossas lideranças políticas. Isso porque, embora raros, eles valem por indiscutível prova de que, com correta política pública de educação, as escolas poderiam ser a mais sólida alavanca para a redução das desigualdades sociais.
Como mostram os indicadores, a qualidade vem subindo a passos de tartaruga, até por consequência de outra falha: a resistência à adoção de sistema de avaliação do desempenho dos gestores, dos professores e dos alunos. Sem instrumentos eficazes de fiscalização da aplicação dos recursos, o ensino público continuará a ser a prova viva de que nem sempre o que falta é dinheiro para corrigir as distorções e melhorar o desempenho do mestre e do aluno. A qualidade da educação depende de ética no trato da coisa pública, de competência na gestão e do olhar vigilante da sociedade.
*Presidente da Academia de Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho Superior de Estudos Avançados (Consea/Fiesp)