Declaração do Brics
;As nações não têm amigos. Têm interesses.; A frase de John Foster Dulles, figura de destaque durante o período da guerra fria, vem ao encontro do documento final da cúpula do Brics. Reunidos na capital brasileira semana passada, os chefes de Estado dos cinco membros do bloco ; Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul ; assinaram a Declaração de Brasília.
Polarizações ficaram de fora. Imperou o pragmatismo. No texto, diferentemente do que ocorre no jogo do bicho, chama a atenção não o que está escrito, mas o que não está. Ao tratar das conjunturas regionais, o documento aborda temas relacionados à África, ao Oriente Médio e à Coreia do Norte. Mas omite a América do Sul, subcontinente sacudido por forte instabilidade política.
Esperava-se declaração em conjunto a respeito da grave situação por que passam dois vizinhos do país anfitrião ; Bolívia e Venezuela. Esta amarga longa deterioração política, econômica e social que levou à emigração de 4 milhões de pessoas. Aquela vive clima de incertezas que obrigou o presidente Evo Morales a renunciar e deixa no ar alarmante ponto de interrogação.
Mas, apesar do quadro preocupante, Caracas e La Paz não mereceram nenhuma referência. O Itamaraty minimizou o fato ao alegar que o documento só mencionou assuntos de ;envergadura global;. O enviado do Ministério das Relações Exteriores chinês, Wang Xiaolong, seguiu a mesma trilha. Afirmou que a Venezuela ;não está na agenda, não é tópico para a cúpula do Brics;.
O isolamento da posição brasileira no bloco não constitui surpresa. A política externa de Jair Bolsonaro condena abertamente o governo de Nicolás Maduro e se opunha ao de Evo Morales. Não por acaso o Brasil reconheceu os autoproclamados presidentes Juan Guaidó e Jeanice Áñez. Os demais parceiros do Brics apoiam Maduro. Sobretudo China e Rússia o fazem não só na retórica, mas também em atos concretos.
A ausência, pois, falou a língua diplomática. Pragmática, evitou confrontos. E reafirmou o compromisso do grupo no concerto interno e no internacional. Cinco pontos sobressaem no texto: o apoio às metas de redução das emissões de carbono fixadas pelo Acordo de Paris, a reforma das Nações Unidas, a preocupação com a corrida armamentista, a defesa de mercados abertos, o combate à corrupção no setor público.
É alvissareira a manutenção da defesa do multilateralismo, princípio que norteia o bloco desde o início de seus encontros. Em época de nacionalismos crescentes, falar em abertura soa como música executada pela Orquestra Filarmônica de Viena. Trata-se de compromisso do bloco que detém 42% da população mundial e a quarta parte do PIB do planeta. Não é pouco.