Os argentinos só construíram uma das suas projetadas hidrelétricas, a de Yaceretá. A outra, maior, chamada de Corpus, nunca saiu do papel. O ministro de Relações Exteriores brasileiro, à época, Azeredo da Silveira, dizia que os argentinos queriam, apenas, se envolver nos projetos brasileiros de geração de energia elétrica. A diplomacia nos dois lados sempre foi insinuante, difícil e muito sutil. Continua a ser assim, mesmo nos tempos de Mercosul.
Cristina Kirchner, quando presidente do país vizinho, se recusou a cumprir acordos comerciais assinados entre os dois países. O Mercosul, aliás, não prosperou como gerador de boas iniciativas comerciais por causa de sucessivos impasses internos. O possível acordo com a União Europeia, negociado durante 20 anos, constitui exemplo magnífico das dificuldades na conversa entre os dois países. E tudo indica que o cenário não vai se modificar tão cedo. Alberto Fernández, presidente eleito, tratou de gritar a plenos pulmões um ;Lula livre; em seus comícios. E teve o capricho de visitar o ex-presidente na prisão em Curitiba.
Bolsonaro, do lado de cá, também não moderou as palavras. Aliás, ele não costuma se conter diante de qualquer contrariedade. Há mais de dois meses, ele reafirma seu ponto de vista contra a volta do peronismo ao poder na Argentina. Cristina Kirchner, amiga de Dilma Rousseff, será vice-presidente do país vizinho. Ela é uma força eleitoral que ajudou a conduzir o candidato à presidência. Alberto Fernández foi vereador de província há muitos anos. Seu destaque vem do trabalho com pessoas influentes na política vizinha. Ou seja, Cristina tem os votos. O presidente terá o poder derivado.
No país das crises, os argentinos votaram no sentido de colocar mais uma crise no poder. Faz sentido. Não é inédito. Eles o fizeram algumas vezes. Perón fez de Eva Perón uma espécie de mãe dos pobres e descamisados. Ela morreu cedo, aos 33 anos. Depois o mesmo Peron entronizou outra mulher, Maria Estela Martinez, conhecida como Isabelita, no poder na Casa Rosada. Insinuantes, espertas e populistas, as duas fizeram história na Argentina, à sombra de Perón que, lentamente, destruiu a mais organizada sociedade da América do Sul. E a mais próspera economia.
A Argentina das últimas décadas se especializou em aprofundar mais e mais suas crises econômicas intermináveis. Tentou-se lá forçar a paridade do peso com o dólar. Não funcionou. O país entrou em convulsão e, numa única semana, teve cinco presidentes. O novo presidente deve tomar posse no em 10 de dezembro. Neste momento, a inflação é elevada, a dívida externa continua assombrando os economistas portenhos, mas existe a perspectiva de assinar o acordo com a União Europeia. O acordo envolve todos os países do bloco, de um lado e de outro, portanto, será necessário haver muita conversa para contornar arestas existentes nos dois lados do oceano. Não há espaço para populismo, nem promessas fáceis numa negociação desse porte.
É impossível fazer previsões quanto ao futuro da Argentina. O Brasil também é um país acostumado a perder oportunidades. Não aproveita as chances que tem. Prefere a briga ao entendimento. Mas esse é um momento único de globalização, apesar da retórica utilizada pela direita que combate o alargamento do mercado mundial. A interdependência econômica é fato consumado. Não há mais distância entre países. As comunicações aproximaram pessoas e sociedade. As relações entre Brasil e Argentina sempre foram tensas. O retorno do peronismo ao poder vai acrescentar mais dificuldade ao diálogo com o Brasil. O presidente Bolsonaro, que descobriu o capitalismo chinês no mês do 70; aniversário da revolução comunista naquele país, precisa se vestir de pragmático para avançar nas relações comerciais com o vizinho. Se não, a resposta é conhecida: crise.
*Jornalista