Em 1992, James Carville, o estrategista de Bill Clinton, reuniu sua equipe para apresentar os três pilares da campanha eleitoral do futuro presidente americano: mudança X o mesmo, é a economia, estúpido! e não esquecer o sistema de saúde. O olhar seletivo da elite ocidental, que valoriza ativos financeiros acima de tudo, leu apenas a mensagem do meio e a frase virou um bordão usado à exaustão, até hoje, para justificar uma obsessão.
De lá para cá, apesar das mudanças na orientação política a partir de meados dos anos 1990, que substituíram as diretrizes dos anos 1980 de, muito resumidamente, enxugar gastos sociais e manter um altar para o mercado, políticas sociais foram fortalecidas, mas a vela no altar continuou acesa. Uma nova onda de governos conservadores, inclusive na América do Sul, desta vez, com traços perigosamente autoritários, movimentou o pêndulo da lógica binária direita-esquerda. Amanhã, a Argentina ameaça movimentar o pêndulo outra vez.
Mas o que há em comum nas sociedades que agora fervem ou esquentam acionadas por diferentes gatilhos? como Chile, Equador, Peru, Bolívia, Uruguai, Haiti e também Inglaterra, Catalunha, Líbano, ou o Brasil de 2013 e, sabe-se lá, quando outra vez...
Apesar de apresentar indicadores econômicos melhores do que os dos vizinhos, de acordo com a ONU, em 2015 os 5% mais ricos ficaram com 51,5% da renda no Chile. A desigualdade é o estresse que afeta o mundo todo, somada à deterioração social e ambiental. Segundo a Oxfam, de toda a riqueza gerada no mundo, 82% foi parar nas mãos do 1% mais rico do planeta em 2017. No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD), no ano passado, metade dos brasileiros viveram com renda de R$ 413 mensais, enquanto a faixa 1% mais rica ganha, em média, R$ 16 mil por mês.
O economista Thomas Piketty mostrou que, entre 1987 e 2017, as fortunas mundiais cresceram de 6% a 7% por ano, cinco vezes mais rápido do que os níveis médios de renda. Que o seu livro O Capitalismo no Século XXI, sobre desigualdade, tenha vendido 2,5 milhões de exemplares e se tornado o livro de economia mais vendido da história possa sinalizar o início de uma mudança nas consciências.
Em seu novo livro, Capitalismo e Ideologia, ele sugere superar a desigualdade com renda básica financiada pela tributação progressiva, inclusive sobre emissões de CO2; a coletivização de heranças e educação de qualidade para todos. Se tirarmos os antolhos, podemos ler de novo a estratégia de Carville e prestar atenção no outro conselho: Não esquecer o sistema de saúde, aposentadoria, saneamento, educação, alimentação, transporte, moradia, em resumo, inclusão e dignidade.