Trata-se de uma mudança profunda e bem-vinda. Há não muito tempo, era um sacrilégio falar que "o capital" estava entrando na universidade para fazer pesquisa. A tese era a de que o setor privado queria ;dominar a universidade;. Boa parte da comunidade acadêmica no país achava que patentear um medicamento e ganhar dinheiro com isso era crime contra a humanidade. Mas o fato é que o processo de inovação demanda altos investimentos e, no mundo moderno, ninguém faz investimentos sem ter retorno.
O ambiente está melhorando, mas bolsões de resistência persistem. Veja-se a polêmica sobre a possibilidade de as universidades públicas federais receberem doações de empresas privadas. Apesar disso, o antigo viés ideológico vai dando lugar a uma visão realista e benéfica para o país.
A universidade brasileira sempre produziu papers de qualidade, mas tinha dificuldade em transformar a teoria em prática, ou seja, em inovação. Agora, diante das graves dificuldades pelas quais as universidades públicas estão passando, parece que o pesquisador brasileiro começa a entender que precisa sair do casulo, se dá conta de que investimentos do setor privado podem contribuir para a manutenção dessas instituições.
Grandes universidades internacionais, como as do hub científico-tecnológico de Boston (EUA), têm departamentos que vendem pipeline, isto é, as pesquisas desenvolvidas dentro de seus centros de P que têm potencial de ser convertidas em produtos. As universidades brasileiras ainda não têm essa tradição. Menos conhecido, o exemplo da Nova Zelândia é inspirador. Desde os anos 1980, é incentivada a parceria entre universidades e o setor privado, o que fez daquele país referência mundial de inovação, segundo reportagem recente do Valor Econômico. Projetos de pesquisa da University of Auckland geram uma receita de US$ 152 milhões por ano. E a universidade neozelandesa tem um escritório de comercialização de pesquisas que faz a ponte com as empresas.
A indústria farmacêutica é um dos segmentos que mais investem em P no Brasil, segundo levantamento do pesquisador Paulo Morceiro, do Núcleo de Economia Regional e Urbana da Universidade de São Paulo. As farmacêuticas fazem parte de um seleto grupo de 13 setores de alta e alta-média intensidade tecnológica do qual também participam produtores de aviões, softwares, informática e eletrônicos e automóveis, entre outros. Mas os investimentos em P no país ainda são relativamente baixos, quando comparados aos dos 36 países que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Por exemplo, em pesquisa e desenvolvimento de medicamentos, os países da OCDE investem 28% do valor adicionado bruto ante 5% no Brasil. O difícil ambiente econômico brasileiro (Custo Brasil) e entraves específicos da indústria farmacêutica, como o controle de preços e a alta carga tributária, afetam a rentabilidade das empresas e inibem investimentos em inovação.
Além disso, é preciso levar em conta o porte da indústria farmacêutica instalada no Brasil. As maiores farmacêuticas multinacionais faturam cerca de US$ 22 bilhões por ano cada. O mercado farmacêutico brasileiro, no varejo, gira hoje em torno de U$ 20 bilhões. Ou seja, o investimento em P de um único grande laboratório internacional é superior ao do conjunto da indústria farmacêutica brasileira. Ainda assim, os investimentos em P da área farmacêutica ocupam a quinta posição no Brasil, atrás dos segmentos de equipamentos de transporte, informática e eletrônicos, químicos e veículos.
O Brasil precisa, portanto, criar um ambiente favorável para que cientistas com pesquisas na área farmacêutica apresentem esses trabalhos para as indústrias que estão atuando e investindo ativamente em P, o que deve contemplar também a modernização do marco regulatório na área de Pesquisas Clínicas. Assim, estará contribuindo para o desenvolvimento tecnológico e a melhoria da saúde do país. A indústria farmacêutica agradecerá, pois é por meio da inovação que o setor descobre e fabrica produtos que salvam vidas. Este é o nosso negócio.
* Presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde
* Presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) e membro do Conselho Nacional de Saúde