Jornal Correio Braziliense

Opinião

Artigo: Não foram 30 pesos

''A revolta popular no Chile é prova de como o tecido social se mostra sensível às desigualdades econômicas e à incapacidade do governo de atender aos anseios do cidadão''

[FOTO1]Não foram apenas 20 centavos ou 30 pesos de aumento nas passagens de ônibus e de metrô. Foram sentimentos de profunda insatisfação e de descontentamento arraigados na sociedade. A revolta popular no Chile é prova de como o tecido social se mostra sensível às desigualdades econômicas e à incapacidade do governo de atender aos anseios do cidadão. Apesar de ser uma das nações mais desenvolvidas da América do Sul, o Chile não reverteu o progresso em benefícios palpáveis para uma parte da população que se sente marginalizada. Qualquer frustração é suficiente para acender o estopim. Nos últimos anos, governos de esquerda e de direita se alternaram no poder sem que houvesse qualquer melhoria na vida do cidadão.

Impetuosos e impulsivos, os jovens chilenos trouxeram à tona a revolta ante a falta de perspectiva socioeconômica e ante uma elite cada vez mais beneficiada pela distribuição de renda. Em um primeiro momento, em vez de adotar o caminho da pacificação, o governo emitiu sinais negativos. Enquanto manifestantes eram mortos por uma repressão brutal, o presidente Sebastián Piñera foi flagrado jantando calmamente em uma pizzaria de Santiago do Chile. Logo depois, o chefe de Estado declarou estar em guerra contra um ;inimigo poderoso; e ;implacável;. Foi criticado e desmentido pelo próprio chefe da Defesa Nacional.

A militarização das cidades chilenas e a imposição do toque de recolher reativaram lembranças dolorosas no seio da sociedade de uma democracia ainda jovem. As imagens de manifestantes acossados, detidos e baleados nas ruas de Santiago e de Valparaíso, focos da insurreição, remontam à ditadura de Augusto Pinochet. Quando as liberdades individuais se veem ameaçadas, a tendência é de reforço das insatisfações e de oposição ao presidente. O risco é de o Chile cair em um ciclo de violência e de ódio. Se o pacto social proposto por Piñera não surtir efeito, todos, inclusive o próprio presidente, podem sair perdendo. Alguns manifestantes pedem a renúncia do mandatário.