A escolha do meio pelo qual buscamos resolver um conflito, contudo, é peça-chave para o enfrentamento da violência nossa de cada dia. Isso porque, embora seja correto afirmar que nem todo conflito gera violência, há que se admitir que toda violência nasce de um conflito, o qual, por sua vez, emerge de alguma necessidade não atendida. Nesse sentido, o meio de solução dos conflitos adotado delineia os traços do futuro que queremos construir.
Das quatro opções acima, a resignação e a violência não são desejáveis em uma sociedade democrática. Ambos implicam hegemonia de quem detém o poder. São faces opostas de uma mesma moeda que resolve o conflito silenciando o divergente. O nome disso é opressão.
Um projeto radicalmente democrático exige que o conflito traduza oportunidades de transformação nas dimensões individual, social e estrutural. Para tanto, as alternativas são o acionamento do Poder Judiciário e/ou o diálogo com o outro com o qual se diverge. E é exatamente nesse campo que o Programa Justiça Comunitária vem cumprindo o seu papel primordial de democratizar a justiça, seja pelo acionamento do Judiciário quando absolutamente necessário, seja quando se confere protagonismo à comunidade na análise de seus problemas e na participação democrática das decisões que tenham impacto na construção de seu futuro.
Há 19 anos, os agentes comunitários do Programa Justiça Comunitária operam em suas comunidades fomentando a democracia participativa e reintegrando o tecido social esgarçado pela violência. Para o desempenho dessa relevante tarefa, os Agentes são capacitados na Escola de Justiça Comunitária que os prepara, de forma crítica e não colonizadora, a atuar em três eixos: a educação para os direitos; a mediação de conflitos e a articulação de redes sociais. O objetivo é que a comunidade amplie seu repertório para a resolução de problemas, conhecendo os caminhos para o acionamento do Poder Judiciário, quando for o caso, ou atendendo às necessidades da comunidade, as quais também expressam direitos, por meio da mediação comunitária e da formação de redes. O critério para a escolha dentre esses dois caminhos passa pela pergunta: qual deles atenderá aos interesses da comunidade? Qual deles ampliará os mecanismos de participação democrática e de transformação social? Qual deles colaborará na construção de uma sociedade de justiça e paz?
Sendo a violência um fenômeno que permeia as variadas esferas institucionais e sociais, não é producente pautar a promoção da paz exclusivamente em mudanças comportamentais nos conflitos interpessoais. O fato de o Brasil ter transitado para a Modernidade sem rupturas significativas, a realidade atual persiste na reprodução de problemas pré-modernos, tais como: trabalho escravo, racismo e feminicídio. São violências estruturais que, se de um lado, demandam a forte presença do Sistema de Justiça, de outro, clamam por transformações culturais para a migração de um modo de convivência individualista, elitista, meritocrática e excludente em novas sociabilidades pautadas na ética da alteridade, na cooperação, na igualdade de oportunidades e na dignidade da livre expressão das diferenças. Tarefa custosa, porém possível, graças às mãos, mentes e corações de mulheres e homens que emprestam o melhor de si para a construção de uma comunidade mais justa, solidária, democrática e, sobretudo, de paz. Toda a nossa gratidão aos Agentes Comunitários de Justiça.
*Juíza coordenadora do programa Justiça Comunitária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)
*Juíza coordenadora do programa Justiça Comunitária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)